Algo que escrevi e não continuei.
ATOS DO EXÍLIO
Com um barulho das
aldabras sendo destravadas, a porta de ferro gasto se abriu e eles
entraram vestidos em armaduras empunhando lanças, batendo os
calcanhares.
_Está na hora,
levante-se!
O tom de voz era ríspido
e não permitia questionamentos.
Deitado de bruços no chão
imundo da cela rabiscada por símbolos místicos que neutralizavam
sua aura, _protegido do bolor e do frio apenas por uma rota esteira de
palha, os pulsos estavam presos por pesados grilhões de prata, o
metal proibido para os de sua raça; _ele muito ferido, trazia o rosto
inchado escondido meio ao emaranhado de cabelos pregados a testa com
sangue frio seco.
Encolhido como se ainda
tivesse a cauda imaginária retorcida em torno do corpo alto e
esguio, emitiu um gemido baixo e rouco, e se revirou no piso fétido,
onde insetos depositavam entre as brechas repletas de lodo, seus
montes de dejetos pretos, enquanto ratos famintos passeavam
livremente por sobre a tigela rachada contendo os restos do mingau
ralo de milho sem gosto, e o pão duro, que junto com uma caneca de
cerveja azeda formaram o apetitoso cardápio, que havia sido a
derradeira refeição daquele homem, na noite que ainda sem saber
qual sinistra fortuna o aguardava: precederia o momento de sua
transformação em um monstro completo.
Na criatura mais temida.
O predador mais perfeito.
Um banquete que jamais
poderia esquecer.Evidentemente.
_Espero tenha apreciado
bem a estadia na torre,“alteza”.Mas creio se lembra que o
conselho hoje o aguarda para seu julgamento, antes da primeira hora
da manhã
Segurando a respiração,
dando a impressão de por um instante ignorar a ordem que o
despertava do terrível sono de pesadelos, e se perder num amontoado
de febris pensamentos no que pareceu ser um minuto sem fim, quando a
ponta da bota ferrada o acertou em cheio na altura do estômago, os
olhos injetados então se voltaram para além da janela estreita
buscando entrever um breve vislumbre do último alvorecer que jamais
tornaria a ver outro igual.
Lá fora, matizes de lilás
engoliam o negro da noite que se estendia para além das Colinas de
Wayadan.
Faria sol, certamente, e o
dia prometia uma brisa amena na temporada dos caladrius selvagens, o
convidando a mais uma vez preguiçoso dedilhar o fino alaúde de seis
cordas a sombra de uma nogueira da lua, concluiu com um sorriso
triste, que nunca mais faria aquilo novamente.
Com leve pesar reconheceu,
que as percepções daquela centelha fugaz, resumiriam as lembranças
de Antrassia que carregaria para todo sempre: a do mar quebrando alto
nas escarpas do campanário cinzento, enquanto as nuvens douradas se
amontoavam no horizonte acima do oceano revolto, cujas ondas ainda
banhadas pelo violáceo ocaso, morriam rebeldes lutando contra o
recife de pedras da antiga fortaleza de Japur.
Mas aquele paraíso de
colinas verdejantes e cascatas que desembocavam em corredeiras,
nunca, mesmo passados vinte anos elysios, havia sido seu lar.
Era uma criatura nascida
entre as rochas, apadrinhada do vento cortante, companheiro do raio,
e amante das lavas do vulcão.
Bem mais tarde iria
descobrir que, ao passar das eras seria chamado de muitos outros
nomes, mas por ora...
Por ora os Guardas da
Torre de Vren estavam ali para levá-lo ao protocolo diante dos
Magistrados Escarlate, para prestar esclarecimentos quanto a denúncia
do crime de sedução e abuso de uma das sacerdotisas de Almophador.
Lady Helenka Bordinaris.
Uma Virgem da Chama Que
Nunca Se Apaga.
A eleita de Aloyosha o
Albino, grão-sacerdote de Milog Malagor, um dos grandes vestutos.
Pois se havia um Arquiteto
do Universo, o igigu Malagor, certamente
era o Mestre de Obras...
De maneira, que caso fosse
provada a veracidade de tamanha leviandade, a despeito do draconis
mesmo sob impiedosa tortura, não haver confessado qualquer
participação no estupro, e continuamente ter jurado inocência até
não dispôr de mais argumentos,_ orgulhoso ele suportara em silêncio
cada chibatada com cravos de prata, cada girada da roda, ou
afogamento em barril sem pronunciar um grito de dor ou protesto,_ e
ainda assim um destino infinitamente pior do que a morte muito em
breve o antevia.
Se uma cilada havia sido
armada, para um dos príncipes Malkev, herdeiro do Grande Azo,jovem
que um dia poderia ter disputado com o irmão, o Cetro de Togo, astro
maior do sistema de Dracos para além do anel de Alcione, mas que ali
não passava de um mero asilado, um derrotado, deveras nada mais que
pálido reflexo dos rebentos da Mãe dos Elementos, A Gigante
Serpente, que a tudo dera origem.
Um dia fora ele um
promissor exemplo das criaturas mais nobres que jamais existiu.
O Dragão Negro.
Cuja a força, astúcia, e
a verdade, a despeito dos imensos tesouros pelos quais eram
aclamados, e no qual destacava-se o celletium, matéria responsável
pelo apogeu e queda de sua raça, a honestidade e o brio, ao fim das
contas eram as únicas heranças que haviam-lhe restado, da época
que absoluto planava por sobre vales que se estendiam para picos com
mais de vinte mil metros.
Lembranças, dignidade e
uma espada era tudo o que tinha...
Portanto, a vigília de
seus atos e a consciência da retidão deviam nortear os seus passos,
sempre, se desejasse que a memória dos dragões não se tornassem
contos de terror para crianças dormirem.
Obviamente algo que ele
não colocoria a perder por uma noite de luxúria e devassidão, não
é mesmo?
Ou todo seu povo, um bando
débil e alquebrado, compelido a juntamente com singulares criaturas
de aparência símia, a servirem como forças de trabalho em minas de
telêrio, enquanto se amontoavam em tendas e casebres miseráveis,
num vilarejo chamado de Tamra nos arredores de Agade, não mais
conheceriam nem aquela sofrida e cabisbaixa paz.
E no entanto, nem mesmo
esse aviltante “benefício”, fosse ele condenado a morte ou ao
exílio, como eram os planetas que giravam em torno do sol e não o
contrário, sabia, acabaria por resultar na desculpa perfeita que
levaria a aniquilação de qualquer estrangeiro que possuísse sangue
frio.
De modo, que o machado de
um verdugo seria punição mais clemente.
Francamente, se em mais de
dois mil e quinhentos anos nunca sentira medo, agora pela prineira
vez, sem receios assumia: estava apavorado.
Afinal as poucas centenas
de almas do povo que um dia dominara os céus e predara sobre a
terra, estava prestes, com seu veredito, perecer sob as lanças
cobertas de prata dos Valorosos Cavaleiros da Torre, e ele lacrado em
Vren, cercado por runas que o impediam de desfraldar suas asas nem
que fosse a última vez, nada poderia fazer.
Havia terrivelmente
falhado em protegê-los, quando apenas existia para isso.
Se deixara enredar num
ardil quando cumprir seu dever, era o que mais importava.
Mas não somente lhe
haviam suprimido a liberdade, o decoro, seu título, ou extinto seu
fogo.
Não!
Pior do que isso, admitia
que seu martírio infernal repousava no fato, de que fora
irremediavelmente desprivado da confiança do irmão, que para seu
desgosto se mostrara uma víbora surda, ambiciosa e vingativa, um ser
que ora renegava.
Que ao acusá-lo de tão
vis atitudes, sem levar em conta as consequências, que diretamente
não o favorecessem, acabara por arruinar a honra de uma raça
inteira...Raça a qual também pertencia!
E tudo porquê?Por ele ter
rejeitado aos inúmeros convites sequiosos e promessas tantálicas
que a Meretriz, e não a Virgem da Chama Que Nunca Se Apaga,
insistentemente o fazia, e quase o enlouquecia praticamente o levando
a desejar cair em tentação de se abandonar as promessas que seu
corpo sensual o jurava deleites, que ainda não havia conhecido
igual.
Bem, desde que seis anos
atrás, durante as Festividades da Lua Sangrenta, ela o assistira na
justa contra sir Adrik Volkv, derrotar o kanis, tendo como prêmio, a
incubência de se tornar o protetor pessoal da donzela de Lyra em
troca de mantimentos que supririam Tamra por pelo menos dez anos
mais.
E aquilo fora o bastante
para fazer arder em paixão a princesa, que naquela noite o vira
reluzente em sua armadura negra, com os cabelos soltos ao vento,
segurando a espada suja de sangue e a cabeça do poderoso lorde de
Sirius a seus pés.
Maldito o dia, que suas
asas pela primeira vez, qual ônix, se desfraldaram majestosas no
cume da rocha.
Maldito o dia, que fora
pelas runas conjurado a ser o principal guardião do pretensamente
casto tesouro, por quem tanto ardera em incediária e secreta paixão,
e ora injustamente o virava as costas.
Maldito o dia, que aos pés
da donzela empenhara sua Presa de Aço, e com o olhar desviado,
jurara em nome do Clã de Malkev ser seu gyam até que o Albino
enfim, a reinvidicasse como sua.
Entretanto, ao invés
disso o que honestamente fizera?
Durante os dois mil cento
e noventa dias elysios, desde que, no lindo rosto da princesa tivera
posto os olhos, por mais resistente que houvesse sido no início, de
nada adiantou o enorme esforço impringido no propósito de
romanticamente não se envolver; se no fim, na ocasião que meramente
devia escoltá-la até O Templo de Innana; quando enfim cedera, e
acreditando que apenas em com ela dividir um beijo, e uma taça de
vinho se ninguém os visse, talvez...
Talvez pudessem um pouco
apascentar os corações sangrando em anseio, se longe demais de fato
não fossem.
E no romper do alvorecer
seguinte mais tranquilos, por terem ao menos compartilhado um breve
instante de idílio, continuassem viagem até que a jovem aos pés do
Deus Leão no templo, jurasse seus votos de compromisso e devoção
ao sumo sacerdote, do Chefe dos Sidéreos do sistema do sol amarelo.
O deus que Aloysha
representava, diligente servia e diziam: incorporava?
Enquanto descia as escadas
para o banho de vapor antes da cerimônia, Mitra se perguntou se
afinal era protoganista ou vilão da misantropa tragédia?Pois se
quisesse ser honesto consigo mesmo, por um certo tempo cogitara agir
mesmo de maneira afoita e egoísta, e ora imaginava se seus
pensamentos mais sombrios podiam ter de fato transparecido tanto
assim ao irmão infeliz, ao ponto de revelar que...
Enfim, nada disso mais
importava.
Precisava insistir, e
mais: convencer de sua inocência, ou pagar o preço, de carregar em
nome da perigosa atração por Helenka, a extinção de sua gente.
Carecia acima de tudo usar
da inteligência e colocar em xeque o teor da relevância daquilo que
se passa por trás das cortinas e os olhos não vêem, os ouvidos
não escutam, mas bocas sussurram, muitas vezes guardam equívocos,
que infelizmente questões por serem errôneamente interpretadas,
podem gerar comoções celeradas.
Algumas delas capazes de
serem distorcidas, se de seus resultados podem-se extrair vantagens
incontáveis, que no entanto, beneficiriam a alguns poucos.
E ele fazia alguma ideia
de quem seriam.
Ou seja, quem com apoio do
Albino mais ganharia com o extermínio dos tamreses?
Evidentemente, aqueles que
por anos e anos imploravam em conhecer o segredo da forja da estrela,
cuja Presa de Aço era o maior símbolo.
Um artefato que com sua
prisão fora prontamente confiscado, e apostava todas as posses das
antigas minas nas Cavernas dos Eco: destinada a se tornar um inútil
objeto de estudos, até que um dia descobririam que na verdade ela
era parcialmente feita de celletium, uma liga, que não mais podia
ser fundida, já que não só Togo, como Dracos, deixara de existir
há mais de um vinte anos...
E este era um ás que
tinha na manga.
O salão não era forrado
de ouro, muito menos adornado de fino mármore rordeado por longas
colunas cintilantes que sustentavam abóbodas repletas de afrescos e
pesadas cortinas de veludo carmim, entremeado por uma rica passadeira
rubra que solene conduzia os réus a dobrar-se ante a um magnífico
trono cravejado de pedras; mas podia facilmente acomodar de pé, uma
multidão de dois mil aristocratas antrassos, ao redor do fosso da
Roda dos Caminhos, e cujos portais em forma de pálpebras não abriam
seu olho cíclope de negra íris há pelo menos sessenta anos.
Um julgamento daquela
importância era algo difícil de acontecer em Elysian.
Pois nem mesmo o grande
Ea, o poderoso herdeiro de An, o lendário conquistador com seus
cinquenta heróis, sim, ele, o desbravador antes da expedição que o
enviara a ki onde descobrira o ouro, temera diante da travessia do
Bracelete Esculpido que, por meio da máquina curvadora do tempo
interligava os doze corpos celestes.
De modo quem seria louco
de desafiar os Magistrados, e correr o risco da viagem ao reino
selvagem?
Só o príncipe
Mitra...
Alguém certamente com
seus botões, deva ter pensado coisa semelhante, ao ví-lo ao som do
terceiro chamado da trombeta, emagrecido, mas ainda orgulhoso, com os
abundantes cabelos castanhos escuros trançados a moda da capital
Agade, entremeados por um fino cordão de couro, similar ao que o
rodeava a cintura e mantinha no lugar as dobras do curto saiote de
seda negra, para também se enroscar em tiras de sandálias que lhe
calçavam os pés alvos, admirável e pronto para enfrentar sua
sorte, despontar na entrada da nave com o resplendor da cúpula que
envolvia o planeta a lhe colorir a pele cortada pelos cravos do
açoite, o que emprestava ao príncipe um ar inesquecível de mártir
celestial legendário.
Era uma visão de arrancar
suspiros, e não só de mulheres, há que se dizer...
Bem, visto daquele jeito,
não era difícil entender porque a jovem Helenka preferira com ele
se deitar, ao invés do sinistro siriano Milog Malagor que emergeria
dos Céus mais longínquos, e possuiria a figura de um inconsciente
Aloyosha, para fazer-lhe esposa.
De modo, que ladeado pelos
dois guardas de elmo pontudo, e capas amarelas forradas de púrpura,
seguido mais atrás por um séquito de outros duzentos, cruzou os
portões de bronze que traziam em suas placas pesadas, o entalhe de
duas serpentes enroladas em torno de um cajado comprido, um símbolo
sagrado revelado por Ningishizidda, que representava toda a origem da
vida, a fonte do poder que relegava aos sidéreos o controle dos sete
universos conhecidos, e mais até.
Mitra não era tolo, por
isso ergueu o queixo em procura do irmão.
Queria com ele cruzar o
olhar uma última vez antes de tudo começar, de maneira a mostrar
que não tinha nada a esconder.
E bem, identificar o
Albino na tribuna não exigiria muito esforço, pois apesar de não
ser seu idêntico,_ para o gosto elysio_,Aloyosha, era também um
atraente espécime com cristalinos olhos azuis, e longos cabelos
lisos dourados, o que facilmente o destacava meio às duas dúzias de
velhos enrugados e alienígenas esquisitoides.
Mas ele não estava lá,
pelo menos não às vistas.E naquele instante, por causa disso, o
chamar de bastardo seria um insulto a recordação da própria mãe...
Se bem que era isso o que
ele era, um filho da puta!
No centro da Câmara havia
um círculo que media mais de seis metros de raio em sua embocadura
de pedra.
Ao redor dele, sentados em
cadeiras de espaldar alto, vinte e cinco Magistrados em robes
carmesim o aguardavam, devidamente escoltados pelos Caveira e
Espadas, um grupo encapuzado cujas identidades nunca poderiam ser
reveladas dado o teor de suas missões.
Versados em tortura e
técnicas militares avançadas, eram os homens mais temidos de
Elysian.
Contudo, jamais seriam
páreo para um irado Mitra.
_Quem fala por sua vida?
A criatura semelhante a
uma ave sem penas, de nome Merriku se manifestou não de fato usando
a voz, mas ainda assim se fazendo entender por todos que estivessem
na Torre.
_Como passei a noite
trancafiado numa cela, e muito ocupado com “digamos” um incômodo
mal estar, não pude conseguir um advogado, lamento.
É o sarcasmo dele era bem
conhecido, assim como o fio de sua espada.
Charmoso com aquele
sorriso branco e desafiador que com coragem enfrentava aos muxoxos de
indignação, o desgraçado só podia mesmo ser um maldito draconis.
Por um instante dragão e
sidéreo cruzaram os olhares, mas um ex-mago, amigo de longa data e
que também assistia ao julgamento, após refletir um instante veio
em seu socorro.
_Deixem que eu o faça.Sou
Lorde Kasturr, dos Túnicas Pardas de Vardian, ex-sacerdote de Tamuz,
e gostaria de representar... _Ponderou se devia ou não dizer
“homem”, pois sabia da aversão que o príncipe nutria da
condição que o prendia àquela forma delicada e restrita._A esse
rapaz._Com um pigarro de hesitação, decidiu que “rapaz” seria
melhor, e foi o que fez.
Uma atitude que Mitra num
gesto leve de cabeça agradeceu, enquanto os pergaminhos luminosos,
que projetaram a imagem em esverdeados hieróglifos do processo para
além do rolo, contendo todos os depoimentos que levaram à sua ordem
de prisão e caça, e do qual o mago se inteirava com preocupação,
para total desgosto de ambos, também foi anunciada a identidade do
promotor.
Lorde Dork Gendror de
Valtav, ironicamente irmão mais velho de um antigo adversário de
Aloyosha, mas que por caçoada do destino agora defendia a causa
levantada pelo Albino?
O que era uma merda sem
tamanho, pois o tal Dork “barrigão” na Câmara Alta, com genuíno
mérito, ganhara fama de orador elouquente e hábil, o que é lógico,
ia fazer feder pro seu lado, já que o que estava em jogo ali ia
muito além da condenação de um príncipe sem reino.
Aquele arremedo de homem
com voz fina e irritante comeria seu fígado se pudesse.
Arquitetura, astronomia,
matemática, linguística, medicina e o costume que levou ao
surgimento das leis escritas, aos códigos e ao equilíbrio da ordem,
além, claro, do gérmen que deu origem aos primeiros adamicos, o
processo já naquele tempo, antes dos arianos pensarem em Ki
construirem sua Atlântida que não afundou mais foi com
tudo_inclusive a terra_transportada de volta a Lyra, Elysian, para os
terráqueos Marduk, luzia como a mais avançada das civilizações do
sol amarelo.
Mas isso não queria dizer
que só por esse motivo seriam infalíveis e seus procedimentos
jurídicos perfeitos.
Uma discussão que seja em
Pégasus, seja em Cygnus, ou mesmo na azulada esféra da Terra, a
aplicação da letra fia da norma, ou da ponderação da equidade,
persiste como um dos mistérios insolúveis até os dias de hoje.
E aquele caso não podia
ser exceção, para variar estava viciado coalhado de provas
forjadas, interesses escusos, embora houvesse um único detalhe e
Kasturr notou, era justamente isso que fazia Mitra se tornar um sério
suspeito, envolvia a questão do sêmen, sêmen de dragão encontrado
no corpo da vítima, e que o indício baseado não apenas na matéria
orgânica, mas também da essência da cobra espinhal,
irrefutavelmente comprovava, a substância pertencia a ele, ao Dragão
Negro, e ponto final.
Nem mesmo um replicante
possuiria alinhamento energético igual, então como?
Como?
Como alegava o príncipe:
a donzela não ter sido molestada?
Tanto que ao ler aquilo,
enquanto com tédio ouvia o longo discurso de abertura da acusação
e se armava para o preâmbulo da defesa, Kasturr se aproximou e com
péssimo humor perguntou:_se tem amor ao seu pescoço, pra não dizer
outra coisa, gostaria que me explicasse essa curioso detalhe
_apontou com o dedo para os resultados do DNA, _ e bem direitinho, ou
eu mesmo faço o serviço aqui e agora...
E Mitra entendeu bem o
significado de “serviço” por isso com um pouco de agonia,
enviesou os olhos:virar um eunuco não estava nos planos.
_Eu não sou nenhum santo,
nem fiz voto de castidade, longe disso pra ser franco._De soslaio
admitiu.
_...Sei. _Kasturr soltou
um suspiro de “haja paciência”, enquanto algemado o draconis
chamou o ex-sacerdote pra mais perto, que já arrependido de ter
tomado seu partido, encostou a orelha na boca do boa pinta sedutor.
Bem?Naquela época, o
príncipe era muito diferente do que fadado estava a se tornar.
Um ser atormentado e
retraído, cujo prazer, não mais limitar-se-ia a explosão do sexo,
mas sobrevinha da profana embriaguez.
Assim Mitra tranquilo sem
conceber o que de braços abertos entre as sombras o reclamava, com o
simplório olhar da mais pura inocência não teve vergonha em
revelar ao ouvido do mago, que entre boquiaberto e consternado,
escutou, a genuína embora sórdida fonte onde Helenka teria
conseguido sua essência, e, por essa razão, não sabia naquele
minuto, se ria ou se o esganava?
Mas reconhecia: aquele
argumento que Mitra o havia segredado era bom, realmente muito bom, e
seria um trunfo a ser usado quando o “rapaz” fosse enfim
testemunhar.
Então, depois das
apresentações, por parte de Kasturr tão breve quanto um bom dia, e
do lado de Gendror, um discurso arrastado e melodramático,
procedeu-se ao arrolamento de testemunhas circunstânciais.
Depois disso, foi feito um
intervalo na sessão enquanto as chaves se preparavam para depôr.
O que incluiria Helenka,
mas primeiro...
_Eu, Aloyosha Malkev,
primogênito de Azo Malkev, rei de Togo, em nome do que existe Acima
e Abaixo, juro, falar a Verdade._Declarou se erguendo com o braço
direito cruzado sobre o peito, enquanto firme, caminhou até o centro
do círculo, cuja trava era encerrada pelo símbolo do sol central.
Com um leve sorriso triste
num momento de fraqueza Mitra disse: olá?
Mas Aloyosha não
retribuiu, de rosto duro, ele não se virou para ouvir.
_Comece.
A criatura de mãos postas
com quatro dedos determinou num gesto que levantou apenas uma delas.
Numa mesura, O Albino
cumprimentou cada um dos Magistrados, desde Merriku até Lemir de
Aldova, o Cavaleiro da Sagrada Ordem do Monte que fazia parte do
Magistrados, um antigo aliado do caçula e de Kasturr.
_Deveras o único pecado
de meu irmão Mitra é a idiotice.A vaidade que como um pavão o
deixa cego, muitas vezes o impede de perceber, que não passa de uma
vítima._Risos._Se tivessem antes perguntado, diria ele ser pouco
mais que um peão descerebrado cuja habilidade com a espada, e
convenhamos, uma certa sorte para atrair mulheres qual moscas numa
teia coberta de melado, o faz imaginar ser algo muito mais proveitoso
do que é, francamente.
_Aloyosha, seu desgraçado!
Os olhos dele piscaram e
não pareciam acreditar no que ouvia, mas o dragão prosseguiu.
_Por ter se tornado um
Negro, ao invés de mim, acreditou por mais de dois milênios que o
simples fato de ostentar escamas escuras, o fariam superior, pois
assim seria o legítimo herdeiro da Presa de Aço, e por
consequência, àquele a ostentar o Cetro de Togo no meu lugar, pois
no rígido e retrógrado entendimento dos anciãos de nossa casta,
em Dracos eu não passava de um réles e desimportante dragão
branco.
Então, então existia
mesmo um ressentimento que ele jamais revelara até ali?E fora
preciso chegar a esse ponto, para conhecer uma faceta do irmão cuja
natureza nunca antes suspeitara.De que ele tinha inveja e ciúmes...
_O que Mitra não
desconfiava, era que não somente eu, mas todo o povo reminiscente de
Togo, estava farto de suas irresponsabilidades, da vida fácil que
levava na Corte, cuja maior preocupação era ser o campeão de uma
justa, utilizando para esse fim a Presa de Aço, nosso último
tesouro, como se nenhum valor real tivesse, além da serventia de
decepar cabeças em troca de alguns fardos de carne e pimenta.
_Seu miserável duas
caras, como ousa corromper os fatos desta maneira?_As feições de
Mitra enrijecidas se tornaram rubras e perigosamente ameaçadoras,
enquanto se remexendo entre as correntes, foi preciso que seis
guardas o lancetassem com as baionetas de prata, para que pudessem
segurá-lo de voar no pescoço do irmão.
Entretanto, como se os
protestos de Mitra não passassem de mero zumbido de zangão preste a
ser destruído pela rainha da colméia, Aloyosha continuou._De sorte
ele não supunha, que em Tamra, poucos nas últimas duas décadas
eram aqueles que aceitavam a liderança ter cabido a ele, quando eram
a mim, por quem em segredo exigiam ser chefiados.
_Se houvesse me dito,
certamente eu...
_Cale-se, chega.Estou
farto dessa sua tendência de querer chamar a atenção!Será que não
vê, tudo passou de uma trama para que fosse julgado, e sentenciado a
morte, seu palhaço imbecil? E eu, no seu lugar pudesse enfim ser
capaz de realizar uma aliança com Antrassia, que garantiria aos
toganos a certeza de se legitimarem como elysios, ao contrário de
meros servos asilados relegados a condição de abomináveis
marginais da periferia, para os quais parecia: você não dar a
mínima?
_Só pode estar brincando!
_Mitra gritou, o peito arfando, e seus olhos eram chamas cor de
ouro._Todos sabiam que apesar de minhas fraquezas, nunca exitei em
defender o nosso povo!
Então àquela altura o
julgamento já perdera o ar solene, até porque a forma era menos
rígida do que a praticada na atualidade, e vendo que Aloyosha
pressionado pelo irmão já despontava traços de nervosismo, sem ao
menos aguardar ser convocada, Helenka, deixou que a capa caísse de
seus cabelos e por um instante fitou o rosto do homem que fingira
tanto amar.
_Exatamente por ser tão
crédulo foi possível manipulá-lo.
_Mas o que raios está
acontecendo aqui? _Lorde Dork “barrigão” se empertigou.
_Deixem, por favor, que
ela fale, _Kasturr adorando o rumo que as coisas iam tomando, pediu a
Corte.
O que estranhamente foi
concedido por Lemir.
_Por favor compreenda,
Aloyosha nunca teria a coragem de matá-lo com as próprias mãos, e
como em combate não houve adversário que o vencesse, a única
maneira que a Curia das Nações, viu, poderia tirá-lo do caminho
seria se...Fosse seduzido e se apaixonasse.
Evidentemente que essa não
se tratou de uma tarefa fácil, afinal a sua fama de conquistador,
somente era suplantada por sua sede de sangue.De forma, que admito,
foi preciso muito mais do que beleza e encanto para que eu pudesse
atraí-lo.
_Precisava de um motivo
para fazê-la especial._De olhos estreitos, Mitra ajudou a fechar o
raciocínio, para vir até onde iria aquela pantomima infame.
E por um instante cogitou
estar sob efeito de alguma droga desconhecida, ainda sacodido por
pesadelos na cela mofada, coberta de bosta.
Súbito o cheiro de fezes
e carniça de animal, pareceram tão mais fragrantes que os aromas de
sândalo e jasmim, que os incensos do salão em profusão queimavam
de maneira adocicada.
_Sim.Um que me fizesse,
digamos: proibida.Algo que certamente lhe despertaria o espírito
rebelde...Como o impulso da competição, que consistia em roubar a
prometida do irmão, o qual fora descoberto o deus ora como aparelho
ele “encarnava”?Ou por qual outro propósito, acha, convocaram um
guerreiro do porte de Aloyosha, a servir como ácolito no Templo de
Tamuz, tão de rompante?
Pensou mesmo seu tonto, o
“dingir” o invitara?
_Mas nem assim o
estratagema de vocês funcionou não é?E sabe porquê, porque eu só
comi o seu rabo, sua vadia desgraçada!
Pronto falei!Foi da tua
bunda que..._Antes que pudesse completar, Kasturr com um sorriso sem
jeito tapou a boca do príncipe, que continuou resmungando, até
conseguir dizer. _Pois é, foi daí mesmo que conseguiram a prova,
que acreditam ser capaz de vez me arruinar!
_Então que chamem uma
parteira, uma parteira de Innana imediatamente!
Lemir exigiu, mas antes
disso, lindíssima em sua veste vaporosa verde claro, os cabelos
loiros caídos nos ombros, Helenka Bordinaris se aproximou de Mitra
que tremeu e torceu a cara. Mas ela o segurou firmemente pelo queixo,
somente para receber uma grande jorrada de cuspe no rosto.
_Só para matar a saudade
de quando chupou meu pau, e pediu mais!_ Com efeito ele conseguiu se
erguer e sua voz forte soou toante:_já que irei morrer, então, que
todos aqui saibam, a grã-sacerdotisa do Templo da Estrela Central
geme que nem uma porca no cio, quando levanta o traseiro para um
dragão!
E aí meu irmão, ainda
vai querer comer essa puta, que numa noite eu fiz me dar mais que uma
meretriz de Akanta?
_Seu, seu pervertido
salafrário!_Com as unhas afiadas o esbofeteou, no entanto ele não
se intimidou, limitando-se a gargalhar.
_E por acaso estou
dizendo alguma mentira, minha querida milady?_Imitando o gesto de
Aloyosha, ante a uma estarrecida aristocracia que agora não mais
gritava por justiça, mas se remoía em cochichos de falso moralismo,
provocou._Atrevo-me a perguntar, será que a existência de três mil
almas vale um pedaço de pele? Porque se assim o for, e outro não
tenha tomado meu lugar, e caso Malagor ou quiçá meu irmão ainda a
aceitem, façam bom proveito, pois Helenka Bordinaris continua
virgem...Usada, mas virgem!
E nesse minuto a parteira
chegou, uma mulher alta, de tez avermelhada e feições de pedra.
_Com que vão ficar aí
parados sem fazer nada?_Parecendo que ia explodir, ou sair voando
numa vassoura, Helenka numa voz esganiçada protestou, apenas para
ser arrastada por dois guardas ao menor sinal de Aldova.
_Sim nós iremos, _admitiu
Merriku, _iremos examiná-la.
Um instante de embaraço
se passou, quando esperneando e com um vocabulário ainda mais,
“elouquente”para vulgaridades, que o de Mitra pois se
multiplicava em diversas outras línguas, Helenka entre outras coisas
o amaldiçoava a masculinidade, segura não por sacerdotes, mas por
quatro dos Caveiras e Espadas, Varla, a sacerdotisa sem qualquer
vestígio de falso pudor, apenas a enxergando como mais uma entre
tantas cadelinhas que sassaricavam pelos cantos do Templo,
afastou-lhe as pernas e enfiou-lhe um dos dedos.
Foi quando finalmente ele
entendeu os ventos mudavam ao seu favor, ao vir que Aloyosha muito
discreto, limitara-se a rangir entre dentes em direção a
Helenka:_sua imbecil, você estragou tudo!
Ele a fuzilava.
_O Dragão Negro não
mente._A mulher disse com uma voz que de tão grossa, parecia
masculina.E da mesma maneira que sorrateira entrou, dali saiu .
Então o chefe dos anciãos
se manifestou .
_Levem-na a uma das celas
da Torre. Mais tarde iremos decidir o que fazer com a infeliz.
_Eu, eu sou uma princesa
seu velho asqueroso, não pode simplesmente me matar sem um
julgamento!Meu pai, meu pai acabaria com vocês!
_Tem razão, mas nem o
fato de ser filha de Zeus, a livra de uma punição imediata por
falso testemunho, de modo ficará detida enquanto abrimos o processo
e avaliamos o caso.
_Mas foram vocês quem me
mandaram seduzir o miserável!
_E onde estão as provas
de que o fizemos? _Contra aquela sugestão de Lemir ela não tinha
argumentos.
Burra, burra, burra.Tudo
estava acabado.
Com o olhar endurecido e
feições sérias, Mitra munido de honesta humildade se dirigiu ao
mais reto dos Magistrados, Merriku,_diante dos fatos, qual será
portanto minha sentença?
Lorde Kasturr de Vardian,
que havia sido quase monossilábico na abertura dos trabalhos, no
encerramento se estendeu um pouco mais.
_Jovem príncipe Mitra
Malkev, com quem mais de uma vez empenhei minha espada na luta contra
os drows de Shamath.À luz da confissão do irmão e o qual perante
todos, com a declaração de lady Helenka, a inocência ficou
comprovada; haja vista nada ter sido além de uma incauta peça de um
ardil, da maneira mais vil já concebida à um dragão, e cuja
vergonha dos propósitos insulta até mesmo o bom nome e a memória
dos antepassados, exijo seja feita a verdadeira justiça,_com a graça
da certeza, caminhou até onde de cabeça baixa o príncipe aguardava
o veredito, e sobre seu ombro, pousou a mão em sinal de apoio.
Dork Gendror, que
espumava, nada podia fazer além de derrotado assistir a preleção.
_Todavia dada a natureza
do caso, que envolve não mais um crime, mas acima de tudo uma
questão de honra, _relembrou Lemir,_gostaria, portanto, de evocar a
antiga Tradição da Moeda de Lott cuja a punição e a recompensa, é
decidida por quem na vitória da luta atira a peça ao ar, mais uma
vez arriscando a própria pele, pois se o lado que o condena for pelo
vitorioso escolhido, terá de aceitar o destino que a moeda o
designa.
O Conselho aceita minha
proposta?
A deliberação em favor
fora unânime, a lei antiga sempre era motivo de respeito, havia sido
ditada pelo próprio An como tributo a desventura da Grande Tiamat.
_E quanto a você, meu
caro e perturbado príncipe, cuja boca deve ser enxaguada com
barrela?
_Aceito.
_Alteza...?_Merriku
dirigiu-se a Aloyosha, que parecia uma pedra de gelo.
Ele fez que sim.
Assim as algemas do Negro
foram soltas, de modo que ele pudesse os erguer._Pois que todos
ouçam, eu, Mitra Malkev, desafio o príncipe Aloyosha Malkev para um
combate, e já que todos são de acordo, que por favor: tragam nossas
armas.
Após uma pausa enquanto a
arena era improvisada, o draconis de surpresa aproveitou.
_Gostaria de pedir ainda,
que independente do resultado, e das consequências que advirem da
batalha.O povo de meu pai, já que este não me considera, fica a
partir desta data, em nome do subjugo de um dos Malkev, abolidos de
qualquer laço de servidão com os elysios, ganhando igualdade de
direitos na qualidade de cidadãos de Antrassia.Para tanto, como
último desejo, exijo um pergaminho selado a sangue assinado pela
Magistrados, que assim os reconheça.
_Ora mas é um
disparate!_Reclamou Hollbarth o juíz cinzento quebrando o silêncio
sepulcral. _E o que recebemos em troca?Já que na barganha, exige
liberemos nossas forças de trabalho nas minas de telêrio, pelo que
mesmo?
_A revelação do segredo
da forja da estrela.A liga da Presa de Aço.
Aloyosha então súbito
ficou impressionado, e admitiu Mitra agia de maneira inesperadamente
brilhante, tanto, que ele ensaiou uma curta batida de palmas.
No fim, o idiota
aprende?Pensou.
Ao menos o embuste servira para algo, transformara um tolo num sagaz.
_Basta!É o suficiente para virmos, trata-se de uma criatura honrada,
alteza.Serei, portanto, testemunha de vossas palavras, pois me
ofereço como escriba do acordo._Lorde Lemir mais uma vez em
consideração ao guerreiro que tantas ocasiões tivera à mesa,
mostrou sua lealdade e gratidão.
E nesse minuto Mitra decidiu, que se escapasse, pouparia a vida do
homem e sua prole.
Quanto ao resto...
Irmão._Tentou
o elo mental, uma habilidade que dia a dia passado naquele mundo, ia
se reduzindo.Mas não obteve resposta, ou Aloyosha se recusara a um
adeus.
Todavia o olhar de ambos era de pesar, quando conduzidos ao centro da
arena improvisada, as armas foram a sua frente depositadas.
Um tridente, uma rede, uma foice, uma maça, uma curva, uma espada
longa e outra curta, mas nenhum elmo ou escudo.Ou seja, a batalha não
era de brincadeira.
Mitra
imaginou que Aloyosha, no maior combate de sua vida iria optar pela
espada curta e como o braço direito era ligeiramente mais forte que
o esquerdo, uma maça seria a opção. Foi com estranheza viu, o
irmão após pensar um minuto, o rosto voltado para abertura da
cúpula por onde os raios do
sol holográfico
formavam um halo em torno dos
cabelos loiros ele num tom
seco disse: _A rede e o tridente, são
a minha escolha.
_Tem certeza?_Num súbito momento de compaixão o mais jovem dos
gêmeos perguntou.
_Absoluta.
_Então eu elejo a espada longa e a curta._Que também não eram as
suas prediletas.
E todos ali não entenderam porque o Guerreiro da Cimitarra havia
rejeitado a arma que o consagrara.
A arma que imitava a sua inseparável Presa de Aço.
No centro da redoma, que escondia um portal para ki, manoplas foram
ajustadas em torno dos pulsos no lugar das algemas, e os príncipes
receberam cinturões de ouro, que melhor aguentariam seus curtos
saiotes durante a luta.
Fora isso, nenhuma outra proteção.
Então
Lorde Kasturr de Vardian se aproximou como árbitro de Aloyosha, e o
sidéreo Hollbarth
de Mitra, e antes que o combate iniciasse, tochas
simultâneas acenderam labaredas que os encularraram ao centro, de
modo que uma fuga da arena se tornasse impossível.
Pois desde que o desafio fora lançado pelo príncipe contra o
próprio irmão, nem mesmo uma intervenção divina de um vestuto
igigu, teria o condão de impedir o combate, já que se tratava de
uma questão de honra.
Destarte
o crepitar das chamas altas, que provocou uma intensa onda de calor a
despeito da enormidade do sítio.Além do cheiro de fumaça misturada
à incensos fortemente aromáticos, fez com quem quer estivesse ali
presente assistindo ao
duelo, perdesse o
fôlego.
Apenas
o velho cavaleiro parecia
não ter francamente se
empertigado, pois solene e
sereno anunciou,
com a voz embargada:_Ao
desafiado, concedo o direito
do desígnio
de como a moeda irá efetuar
o
castigo.
Sem titubear Aloyosha respondeu: _que o olho do cíclope se abra, e o
de menos fortuna conheça o exílio em ki pela eternidade.Esse é o
meu desejo.
_Eu aceito. _Merriku concordou. _É a vez do desafiante exigir a
espórtula.
_Nada, além da mão de lady Helenka Bordinaris em
casamento._Inesperadamente Mitra requisitou, o cenho franzido e
nenhuma outra expressão que pudesse obsequiar qualquer expectativa
de trama suprimida em sua mente, além da vingança, é claro.
Ele era elementar e transparente.Simples assim.
Enquanto Aloyosha podia ser definido como o gelo, a tempestade e os
ventos, ele resumia-se ao trovão, o caos, o fogo em sua mais
explosiva natureza.
Quantas
vezes, quando não eram mais do que meros filhotes recém chocados,
na época em que as escamas
ainda não mostravam nenhum colorido além do pardo castanho ou
insosso cinzento, em seus ingênuos
folguedos de répteis alados ensaiando os primeiros saltos, o mais
velho sempre ponderado, tirara
de enrascadas o afoito herdeiro das chamas?
Como da vez que haviam escalado o
ninho do Gryphon de Nurerg,
para pegar uma das plumas
douradas,
e assim
enfeitarem
o penacho do rei, por pouco não acabaram estraçalhados pelo bico da
ave, não fosse a esperteza de Aloyosha em se meterem entre as galhas
das árvores e com as cordas
que o branco
trazia em volta do gargalo, trançar com seus dentes e destras
garras, uma imitação
de rapel que os permitira descer pelo costado de pedra, enquanto numa
trama de galhos e folhas havia improvisado uma espécie de réplica
de criatura com asas, que vagamente lembravam dois dragões.Mas
seria o bastante para enganar a fera, e como pipa as
fizeram
planar no ar, enquanto silenciosos, deslizavam, pela
extremidade oposta?
Naquela ocasião, Mitra simplesmente havia sugerido lutassem contra a
besta, lembrando que eram dragões afinal de contas.Mas Aloyosha
pacientemente explicara, o fogo por não ter se revelado, seriam
néscios de imaginar teriam qualquer ventura contra a criatura feroz.
Por
outro lado, na primeira aventura amorosa na forma que
seria batizada como humana,
quando completamente embriagado naquela bebida que chamavam de vinho,
Aloyosha se viu aos tropeços chamado à
duelo por um indignado conde de Murtah, o
tal irmão de Lorde Dork Gendror
_o consternado marido
traído_, cuja esposa fogosa o Albino
tinha lhe fodido até os
buracos das orelhas se lady
Aurelia assim tivesse pedido,
e apesar de ser
um afamado espadachim, mal
conseguia se equilibrar de pé; naquela
vexatória ocasião,
Mitra, portanto,
fingindo ser o irmão,
tomara seu lugar no encontro
de honra, e bem? Uma viúva rica foi feita ao
leste de Petrovia.
Evidentemente que mais tarde ela também agradecera o favor...
E tantas, tantas outras aventuras, de repente pareciam irrelevantes,
lembranças a serem sopradas pelo vento como um fragmento de poeira
que dança no ar por um instante, e depois evapora sem rastros
deixar.
Algo mais tinha significado?
Mitra acreditava que não.De qualquer forma, morreria dali a
instantes.
_Liberação
do selo da flor
de quatro pétalas.
Merriku, o sacerdote de Antu, ousou evocar.
Porque sejamos honestos, não é lá todo dia que se via uma rinha de
dragões, e o sidéreo, em sua mente analítica gostaria de saber até
onde aqueles dois seriam capazes de guerrear por seus ideais, que
como frágeis castelos de areia pareciam terem todos ruído com uma
única onda mais forte: a da decepção.
Então,
consoante um abalo crescente,
oriundo de metros e metros abaixo da
Torre, houvesse ocasionado um
foco císmico somente sob
seus pés, a ativação
energética que parcialmente os rendia numa das sete travas, que os
reduzia a meros elysios desprovidos de aptidões fantásticas,
eclodiu
com uma explosão de luz; o
qual a ruptura do encanto,
por alguns instantes os
pegou inteiramente
desprevenidos,
sustendo aos gêmeos
no ar, contorcendo em dor atroz.
Aprisionados
numa estranha dança
torturante, enquanto os caracteres rúnicos em suas espinhas
projetaram para além de si mesmos um espectro da flor sagrada, que
como miragem foi vista refletindo em matizes que oscilaram do
terracota ao rubro sangue, num átimo qual ilusão desaparecendo sem
vestígios restar.
Ato
contínuo Negro e Albino se
encolheram, e num grito surdo emudecido pelo
escruciante tormento,
de suas omoplatas talhadas,_que
qual escondessem vermes desejosos de encontrar outros hospedeiros,
que não os corpos de seus espetaculares
albergueiros,_súbito
despontaram fibrosas asas.
Asas
grandiosas, que de ponta a
ponta em suas existências
humanóides, exibiam uma
envergadura de mais de
cinco metros.
Com satisfação, Mitra pensou, iriam morrer com orgulho.
_Hora
de voar!_O Negro disse traçando
uma cruz perpendicular com as espadas que
soltaram faíscas, parando
somente um segundo no ar enquanto
armava a ofensa, mas foi
Aloyosha quem com o tridente
em riste e batendo violentamente as asas escamadas,
primeiro atacou.
_Que
a famigerada Lamatsu
o carregue!!
_Só
se eu levá-lo junto. _Mitra se esquivou do golpe, recebendo o
impacto da rede de
energia dobrada
como um saco vazio na altura
do estômago, e aproveitando
do avanço do irmão, o acertou com uma brutal
cotovelada no rosto desprotegido.
A
intensidade da pancada,
exortando uma carga tão poderosa de poder,
que atirou o albino oito metros acima,
em direção a abertura da
cúpula.
Sangue escuro, venenoso, escapou de sua boca, e jorrou em direção a
platéia que se viu buscando refúgio da perigosa peçonha, que podia
ser letal, se aspirada ou por engano ingerida.
Mas para quem achou que Aloyosha iria se intimidar com tamanha
demonstração de força, se espantou com sua gargalhada rouca e
profunda que misteriosamente, denotava prazer?
Tanto,
que crente de que a próxima
manobra seria o suficiente para lhe oferecer certa vantagem, com uma
velocidade incrível, que fugia a capacidade meramente mortal de
reproduzir tamanho feito, o que obrigou Mitra a girar em torno de si
mesmo, e se fechar meio a suas asas, que prontamente
o abarcara como um manto, Aloyosha mais arguto, retribuiu o potente
soco do negro, com o tridente sendo atirado em uma das asas de Mitra.
Precisamente
a direita, antes que esta
novamente se abrisse para que
soberbo
sobrevoasse seu adversário como sempre fazia, quando ainda rapazola
acossava suas presas, as deixando tontas
com seu belo e letal ritual de caça.
Só
que Aloyosha nem de longe era
um mero alvo.
E
ele tinha que se lembrar disso, se quisesse sair vivo dali.
_Merda!_Disse entre dentes, enquanto caía, caía, caía com a prata
do tridente atravessada na asa.
O
que de pronto, fez com que apodrecesse e rachasse em mil pedaços
como cristal partido, até
virar poeira.
E naquele breve momento, então compreendeu a razão do irmão ter
eleito o tridente, pois as pontas deste eram minimamente banhadas com
o metal, que se condicionados na aparência humana era o bastante
para os neutralizar e amortecer, em contato com a carcaça de dragão
podia ser letal!
Não
chegou a piscar e estava no chão, desarmado, ostentando apenas uma
asa que também se quebrara, suas costelas espatifadas, simplesmente
o paralisavam
como quisessem seus ossos fossem
pinçados para fora.
Das narinas e boca, sangue se misturava a vômito.
Vindo
na sua direção calmamente, revirou
os olhos, pois lá estava
Aloyosha, estonteante de
cabelos soltos, com as
asas brancas totalmente abertas, e
os punhos levantados,
glorioso exultava a majestade, numa
vaidosa
demonstração de masculinidade e supremacia, de
tal forma que encantados todos gritavam, gritavam, e gritavam mais
pela hegemonia do Albino tão
fantasticamente revelada.
Torcendo
o rosto, Mitra notou,
a espada longa estava a uma
distância impraticável de ser alcançada, contudo...A curta, se
conseguisse desviar a atenção do cretino
por um mísero segundo, poderia ter alguma chance, afinal.
_Sabe
de uma coisa, _ele tentou falar, mas jatos de sangue escaparam e
quase engasgou com a própria
saliva grossa, embora
tenha sido o bastante de fazer com que o primogênito, que a despeito
da assumida
vilania, recebia os aplausos enlouquecidos dos elysios, por contarem
a breve luta ter chegado ao fim, se virasse perplexo em seu rumo,
estarrecendo-se ao perceber que ao invés de estrebuchar e babar,
Mitra havia rolado até a espada curta que o
servira de muleta para se
reerguer, e dando uma rasteira num dos guardas menos atentos,
tomar-lhe
a lança, _a vitória só
pode ser cantada, quando o adversário perde a cabeça!
Que
silvando como um raio de fogo, atingiu em cheio a panturrilha do
irmão, e ele
com efeito se
dobrou de joelhos em toda sua altura.
Levou
o espaço de uma gravata em torno do pescoço, que passou a ser
asfixiado
com o antebraço de Mitra
como uma anaconda
enrolada, para arrancar a
seta entravada no músculo rijo.
A
carne esfacelada profundo deixou a mostra tendões, e foi nessa hora
que a luta dispensou qualquer aparato, que não fossem apenas os
punhos, os dentes, o
ódio.
Estrangulado,
o Dragão Branco
sentia a torção do braço
para trás,
enquanto entravado em meio as coxas fortes de Mitra, que sem
misericórdia o cabeçeava como tencionasse arrancar-lhe o cérebro a
pancadas, o belo príncipe
de olhos claros foi cedendo, cedendo, cedendo, curvando o corpo para
frente como finalmente
capitulasse dos
terríveis
pecados.
E
nessa hora o que se ouviu foi, por
aqueles mesmos que ainda pouca clamavam por Aloyosha, o vangloriar em
favor de: _Mitra, Mitra,
Mitra!
Um
mantra em uníssono, que unicamente o moveu a apertar ainda mais seu
laço, que, contudo foi inopinadamente desfeito com o artifício de
Aloyosha, cuja testa quase tocando no chão, o fechou num arco que
com o impulso das asas, catapultou o Negro para fora da arena,
chamuscado pelas labaredas do
círculo.
Tudo
terminara.
Pois
com um vôo rasteiro, os punhos fechados em cálice, enquanto
desesperadas as pessoas corriam e gritavam, pisoteando umas as
outras, Aloyosha num
planar letal levou consigo
pelo menos vinte almas, até alcançar o irmão, estirado com o
pescoço meio fora do lugar, e o joelho desconjuntado num ângulo
estranho.
E
cujos movimentos vinham apenas dos olhos e dos dedos, que toscamente
seguravam um pedaço mínimo
de metal.
_Peça clemência. _Ordenou.
As
sandálias pisoteavam-lhe o que restava do abdome luxado e distendido
por
fraturas.
_Jamais.
_Nunca foi o mais inteligente...
Dito isso, Aloyosha saltou com os punhos, cotovelos e joelhos
cerrados, e com toda a força e gana que lhe restava, pois também já
estava exausto, golpeou Mitra que viu tudo escurecer, e desmaiou
perdendo a luta.
Mas
não antes de, enfiar fundo na base da espinha, o minúsculo
estilhaço de prata, que embora não fosse matar o miserável
traidor, para sempre o transformaria num lamentável ofídio
rastejante, que era o que na verdade Aloyosha nascera para ser: nada
além duma condenada vil
serpente expulsa do paraíso.
_Morre um dragão e nasce uma cobra.
Foi a última coisa que Mitra disse.
E
a escuridão então o chamou ao repouso, no exato minuto,
que levava consigo tudo aquilo em
que depositava fé.
O véu de Nix nunca fora tão negro.
Ou
a morte tão
bem vinda.
Deveras
uma graça
que para ele, não viria jamais.
Dois corpos permaneciam caídos.
Dois corpos aguardavam um desfecho.
Mas apenas um deles estava consciente.E era Aloyosha.
Ele havia ganho a luta, ganho o prêmio e implicito o inquestionável
direito de governar sobre os descendentes de Togo, às custas da
vergonha de Mitra, ao invés de num combate glorioso devassando
montanhas e clamando aos elementos, tivessem feito o rito de
passagem.
Deveras algo que talvez não mais quisesse.
Um
povo agora livre, e cujo lampejo da sabedoria, como ninguém o
abalizado como lerdaço
inépto, cujos termos do acordo, somente um dragão maduro teria
negociado melhor, abrira caminho para um reinado que naquele
instante, depois de tão secretamente ter almejado tamanha faculdade,
se questionava se não estivera equivocado.
E que voltar atrás ora seria impossível. Pois na derrota, seu irmão
o ensinara o valor da vitória.
Com
efeito, pensando melhor,
enquanto escorado nas próprias mãos e rastejando sobre o mar de
sangue enregelante
com cheiro forte e ácido, provavelmente o que seu coração
distorcido, no fundo sempre desejara era vencer o preferido de Azo
Malkev.
Nada mais, e tudo isso.
Lágrimas então brotaram, e tentou alcançar o corpo de Mitra.
Contudo, guardas o impediram desse último gesto de afeto, era
chegado o momento da moeda fazer sua escolha.
_Aloyosha
Malkev, Regente de Tamra, eu
o declaro, oficialmente campeão da disputa pelo Cetro de Togo.Vida
longa ao rei!
Declamou Lorde Lemir de Valtav, em respeito se curvando perante ao
homem ferido, banhado em sangue e veneno.
_Gostaria como minha primeira ação nessa nova realidade, de ao
menos poder me levantar, embora, reconheça que a sagacidade de meu
irmão mais jovem me pegou de espavento.De modo, que os dragões
agora têm um rei paralítico.Irônico não? Aquele que voa mas não
anda.
Então ele riu, quando a escolta que antes os ameaçava com suas
espadas e lanças, naquele minuto o ajudavam a se erguer.Uma cadeira
de espaldar baixo, bem diferente da utilizada pelos Magistrados, o
único trono que jamais viria a conhecer.
_Seu
irmão fez uma promessa, em troca da anistia.
_De fato, meu segundo ato a ser cumprido. _O olhar cansado de
Aloyosha brilhou frio, enquanto um vestígio de sorriso mordaz
enfeitou o rosto bonito._Contudo, devo alertar que os termos
combinados, beneficiaram unicamente a nós, os asilados. Mas a dada
maneira como foi exigido o selo de sangue, devo ressaltar, que
independente do que venham adiante descobrir, o compromisso com os
dragões não pode mais ser renegado, sob a possibilidade de ser
tomado como afronta, e um chamado a guerra.
Que folgo em dizer, seria um massacre o qual ora não tenho o menor
desejo de suscitar.
O Magistrado cinzento de nome Hollbarth, o mesmo que inicialmente
relutara a proposta de Mitra, se aproximou desconfiado, falando com
sua voz telepática. _Com que insinua que fomos feitos de trouxa?
_Trouxa não, porque no pergaminho que mesmo não tendo visto o
conteúdo, todavia o qual o escriba sob o voto de sigilo, redigiu, eu
sei o teor de cor sem nem ao menos sequer o lido, não há
inverdades.Apesar de ser um fracassado, mentir não faz parte da
natureza de meu irmão._Aloyosha cruzou olhar com o cavaleiro, que
por sua vez, viu que Mitra finalmente mostrava sinais de estar
acordando._Pois que caiba a mim a missão de revelar o enigma da
forja da estrela, à ser confirmada com o documento em posse de Lorde
Kasturr de Vardian, e do conde de Lionsperth, Senhor de Heertsgard.
Celletium.Celletium
é o que faz da Presa de Aço, não
uma espada qualquer
cujo o nome de um metal
banal
ela leva, muito mais do que
isso, é a liga que permite aos
sirianos
construirem suas barcas voadoras, e não apenas
cruzarem o espaço pelo túnel.Mas
dominarem o universo a seu belprazer,
dado que se trata da ímpar matéria que não se desfaz a velocidade
do raio.
E como todos sabem, o único lugar a produzir tamanha riqueza, foi
por “eles” destruído, ao reduzirem a pó minha terra natal!Nos
transformando em nômades apátridas, enquanto toda Togo desmoronava,
nossas minas se extinguiam, e o pórtico se fechava.
Pois
se querem celletium para enriquecer vossas bolsas, eu com vontade
dar-lhes-ei celletium, conquanto que voltem no tempo, e me devolvam a
porra do Meu Lar,
seus desgraçados!
_Respirou fundo, recobrando a
calma._Entretanto, como por ora isso é inexequível até mesmo para
um maldito vestuto.Lamento,
porém ficarão sem sua preciosa liga, cuja última relíquia, como
rei de Togo, eu ordeno, seja entregue a mim imediatamente.
Ou
seja, o Cetro de fato ali não
era mais
um cetro, mas sim
uma espada curva e dentada.
Uma
tênue névoa o cobria,
enquanto deitado sobre a pedra, orvalho se alojava em sua crista, em
sua cauda, em suas
asas imensas.
Retumbante o vento cantava na serra, e o desfiladeiro infinito, era
banhando por um brilho azulado sutil, que emanava das profundezas
onde o fragmento da estrela havia tombado éons atrás.
Garras se esticaram, e as nuvens cinzentas estavam cortadas da
vermelhidão do amanhecer por vir.
Sozinho no topo do mundo, a Presa de Aço atada ao pescoço por uma
gargantilha, sereno ele repousava.
O Último de todos os Negros.
Aquele que nunca com uma consorte dourada criaria uma prole.
Mas, como?Como?Aquilo não podia estar certo.A mente atônita o
alertava, enquanto forçando abrir os olhos, apenas com a visão da
mente, impávido ao seu mundo ele uma derradeira vez visitava.
_É um sonho. _Conseguiu entender.
_Não, Mitra._E então aquela voz doce cujo som, quando nada era além
dum embrião, ouvira tantas vezes conversar consigo, cantar cantigas
numa língua consonantal, o qual a reprodução com o inábil
aparelho fonador dos elysios, seria uma tarefa irrealizável; ela,
sua mãe, a quem não via fazia dois milênios, a Rainha Zyammah A
Dama Vermelha do Tesouro, A Guardiã da Forja da Estrela lhe falava?
Mais: agitando com a leveza de uma borboleta, magnífica em vinte e
dois metros, o pescoço fino e majestoso, curvado como o de um cisne
o fitava com aqueles olhos âmbar, e que o tom tranquilo, havia
herdado exatamente.
_Então o quê? _O dragão menor, menor com quinze metros, se
remexeu, e no afã de abraçar o espectro que o vigiava, com prazer
atirar-se-ia com ambas asas quebradas, se pudesse mais um instante
ser envolvido por aquelas garras a que tanto amara.
_Dragões não morrem meu filho.Eles apenas transcedem.E
definitivamente, este não é o momento de a mim, ao seu pai, e aos
ancestrais que capturaram a estrela, vir se juntar.
_O que me espera, minha mãe?Nem mesmo este corpo me pertence mais,
sou um nada, um vencido, um condenado preste a receber a sentença;
uma criatura que nunca devia ter nascido.Pois por minha culpa morreu,
eu a deixei doente.
_De fato, mas faria tudo de novo, apenas para saber que Azo teve um
Negro do qual se orgulhar, ainda que neste momento diga sandices,
outro não poderia ter liderado o resto de nosso povo, com tanta
euforia e paixão, que não você Mitra.Quando todos apáticos não
mais tinham energias para lutar contra os invasores sidéreos, foi
tu, quem os deu esperança, ao convencer teu pai de aceitar o acordo
com Malagor.
Portanto, se há ainda dragões neste universo, foi não outro que
meu Mitra, quem os salvou.
Pois, independente do invólucro ou aparência que ostentem em suas
almas, eles sempre serão dragões.
_Embora pareçam ter se esquecido disso.
_Então, é seu trabalho que os faça lembrar.
_Como, como?Se já coroaram outro rei, teu outro filho.
Parecendo arrebatada por grande dor, a dragonesa suspirou, e quase
tocando o focinho do príncipe negou.
_Nada é para sempre Mitra.E o sempre de Aloyosha nunca foi tão
breve...
_Quer dizer, que...
_Vá, vá e não olhe para trás.Deixe que nós suas costas vigiemos,
esteja onde estiver, saiba não estará sozinho.Nem no teu momento de
maior desespero, quando as lágrimas secarem, e apenas sangue jorrar
de teus olhos, a solidão não irá te abraçar.Tua estrela, não
cairá como um pedaço de celletium, embora, algum dia, queira
exausto se juntar a nós, trazendo pela mão a companheira, que há,
há, há sim de encontrar bem longe daqui.
Zyammah era conhecida por suas previsões perfeitas, por mais
enigmáticas que fossem a princípio, nunca haviam falhado.
E ela acrescentou:_plante teu herdeiro esta noite.E siga para onde
teu coração o chama.É somente, o que tenho a te recomendar.
Súbito uma onda de energia, energia vital, branca, apaziguadora se
estendeu por toda sua giganteza, e ele agora era completa nudez em
forma bípede, com os cabelos a flutuarem ao seu redor, em torno
daquele rosto de mártir e nariz afilado, arrogante, queixo
aristocrata e nobre, além de lábios finos ligeiramente mais cheios
no inferior, uma bolha quente brilhante o envolvia, e seus braços
tentaram alcançar a imagem da mãe que em conjunto com uma horda de
dourados, prateados, azuis, e silencioso acima de todos o Dono da
Noite, O Rei Azo, como que o entregando cada um, uma ínfima
particula, que ainda assim era como a torrente de mil quedas d'água
a tocarem sua alma, o empurravam de volta.
De volta a Elysian.
De volta ao corpo inerte na Torre.
E quando tudo então se desmanchava, numa tentativa que sabia seria
vã, perguntou: _Tornarei a vê-los?
_Não até, que toda a tua história se cumpra.Nesse dia, alegre, o
teremos de volta.
_Adeus, minha mãe.
_Adeus, não existe príncipe Mitra.
Com o passar da confusão, a câmara antes abarrotada, reduzira-se
aos guardas, os Cavaleiros da Irmandade, aos Magistrados, dois
dragões, e nada mais.
Embora todo o foco permanecesse voltado para o rei de Togo; tão
próximo, praticamente esquecido como uma sombra que a tudo vê, mas
que secular vaga imperceptível, Mitra qual um fantoche quebrado se
recuperava.
Todavia num ritmo mais lento que Aloyosha, em razão de suas injúrias
terem sido imensamente mais sérias, contudo, ainda preservasse o
coração, mesmo que o corpo estivesse em pedaços, seria capaz de
restabelecer aquele avatar.
Afinal, por suas essências excederem ao plano tridimensional, e
quase sempre se virem em balanceada harmonia com os demais corpos que
abrangem o núcleo vivo e indestrutível, o qual chamam espírito, se
as cabeças permanecessem nos pescoços e o peito guardasse o músculo
negro, vida teriam.
Ossos se realocaram, feridas fecharam e pouco a pouco, uma a uma as
lesões sumiam.
Mesmo assim, Aloyosha, irônicamente por ter sido alfinetado com o fragmento de prata, que ao ser introduzido em sua carne, que quase no mesmo instante se fechou tornando o metal parte dele próprio, muito provavelmente para sempre, não voltaria jamais a andar.
Mas com sinceridade O Albino naquele momento parecia totalmente
alheio a sua nova condição.
Pois a Moeda de Lott acabava de ser trazida diante de si.
E Mitra, qual tivesse padecido de febre cruel, fora arrastado para
próximo do círculo.
Um misto de tontura, reminiscências da incrível visão de minutos
ou horas atrás, não sabia ao certo, com antecipação e vontade de
que tudo chegasse logo ao fim, frente a frente ele estava outra vez
com o irmão.
_Lutou bem. _Aloyosha resumiu.
_Não tanto, quanto você. _Respondeu fitando o rei sentado, e
curvando-se em respeito, colocou-se de joelhos. _Que seu reinado seja
fausto e próspero.
_Recuso-me a ouvir seu sarcasmo.
Dizendo isso virou o rosto, e batendo palmas um dos oficiais da
Irmandade lhe estendeu um estojo de madeira laqueada, forrada de
vermelho.Cujo interior, uma pequena peça com entalhes simplórios,
apenas de um lado um cálice de vinho e do outro uma mísera lança,
qual estúpida brincadeira de criança, era capaz de decidir o
destino de uma vida.
Merriku, avisou: _cálice, e a passagem se abre, lança a mão da
princesa.Alguma dúvida, vossa alteza?
_Nenhuma.
_Pois que a Fortuna abençoe o mais digno.
O ar pareceu deixar de existir, o silêncio era um réquiem intenso,
cadente como milhões de passos a fortemente baterem no chão, e
espadas contra escudos, o ritmo de cada vibração, cada bombar de
sangue que de lento ia aumentando, aumentando até ficar pronto a
explodir.
Ninguém ousava soltar o fôlego, ninguém ousava pensar.
Desviar os olhos um desiderato.
E apenas frio, resoluto, Aloyosha, e não Merriku, mantinha-se
plácido enquanto observou por um instante que pareceu infinito a
pequena peça portadora da casualidade entre os dedos.
Então abrupto sem aviso, o olhar cativando o do Negro por um
fragmento de segundo, enquanto rodopiando no ar, girando alto igual
uma feiticeira a dançar um solo macabro, a Moeda de Lott foi
arremessada em direção ao palco do destino, passando matreira a
rapidamente descender, serpenteando e dando a entender que ria-se a
valer da aposta que iria transformar irmãos em algozes.
Rivais.
Lá fora gritos festejavam a coroção do Albino e vivas efusivos
faziam-se ouvir entre aplausos.
Assim meio a balburdia, a expectativa, ela caiu, precisamente sobre a
palma do novo rei.
Qual imantada tivesse sido tragada até ali?
_Diga logo!_A voz de Mitra soou arfante, não por medo.Mas porque
toda aquela tensão o estava enlouquecendo.
_Cálice.
_Para quem? _Implorou? _Para quem?_De olhos injetados como um
celerado, rouco ele insistiu.
Com a sobrancelha levantada, e já que não podia se erguer, Aloyosha
disse apenas:_Lorde Lemir de Valtav, o mais fiel dos Cavaleiros da
Ordem do Monte, recuso-me ao exílio, ao invés disso, por gentileza
conceda-me a morte!
_Não!!!_E grito de dor do príncipe em algum lugar certamente
provocou terremotos.
Vulcões choraram labaredas.
Pois com uma força que ele não sabia de onde havia tirado, Mitra se
lançou sobre os guardas, seu salto o projetando em direção a
Hollbarth que ao lado do executor, preparava a espada para o golpe,
aproveitando que a foice, uma das armas não eleitas estava lá, um a
um, como peças de dominó, os soldados, foram tombando numa chuva de
sangue, até que o arco da morte, atravessou o ombro do sidéreo, seu
sangue estranho, mais parecido a uma gosma negra espirrando no rosto,
na boca, de Aloyosha.
Que súbito para o desespero do mais jovem dos Malkev viu: o Albino
simplesmente ficou rijo.
Suas íris viperinas de dragão, tornaram-se opacas, e depois dali,
daqueles orifícios escorreram lágrimas de sangue, enquanto a
palidez acentuava, o ar lhe faltava, estático, imóvel, incapaz de
se defender pela paralisia, ele emitiu um urro gutural, quando da
boca de lábios ora quase sem cor, presas se projetaram alongadas,
afiadas como fios de espada?
Veias azuladas afloraram no peito, nos braços, e ele que era belo,
se tornou uma misteriosa estátua?
Não!Não uma estátua...
O quê então?
_Que os deuses me perdoem!_Kasturr suplicou, percebendo a ameaça da
sinistra criatura que diante deles ganhava forma.Correu em direção
a alavanca que destravava a roda.
O que está acontecendo
comigo?
Sua mente desesperada pensou, pois não estava morrendo, entretanto,
sentia o espírito desprendia, e com toda a violência, qual mil
carros de seis cavalos o puxassem ao mesmo tempo, uma escuridão
fria, o invocava, o abraçava, o consumia, todavia visse o corpo
continuasse se movendo.
Eram dois mas tinham a mesma consciência.
A unicidade total de um dragão se perdia, e outra coisa o dominava.
Isso sem falar com a sensação de que todos os órgãos internos se
esfacelavam, o estômago virava uma pedra, muito embora, como tivesse
caído vítima duma praga macabra, enigmaticamente o causava ato
contínuo, um esvaziamento que parecia fome, e no entanto, não era
isso.
Enquanto aqueles que tinham sangue quente e vermelho, a seus olhos
desapareciam as feições, tornando-se nada além de um emaranhado de
artérias, e pulsação, que o fizeram salivar sedento, desejando os
degustar até a última gota.
Bruxaria, bruxaria maligna só podia ser!
Mitra, por favor me
salve!
Irmão!!!
Mas ele não pôde atender ao socorro, pois o ferido Hollbarth, com
um punhal de prata, saindo detrás de uma coluna e surpreendendo ao
príncipe, o estocou na perna direita.
E ele tombou, como que sua queda houvesse custado todo o tempo do
universo num instante.
O mesmo instante que a máquina foi ativada, e a sua magia foi feita,
um olhar de adeus o rei dirigiu ao sol que entrava pelas frestas da
abóbada de pedra e vidro, assim Aloyosha não viu, que Mitra
desesperado tentara alcançar sua mão, na afã de resgatá-lo do
abismo, cujo vácuo nebuloso, parecia devorar por trás de uma
barreira de energia, astros e estrelas, ou, junto partir com ele para
a jornada sem volta.
Na palma fechada que se perdeu para além do portal, a moeda virada
para cima trazia o cálice.
Não a lança.
Aloyosha havia mentido.
Seu último ato como rei?Proteger o irmão.