quarta-feira, 4 de julho de 2012

                                          Somente um ensaio...
                                          Algo que escrevi e não continuei.

                                                ATOS DO EXÍLIO

                                                          
                                         


Com um barulho das aldabras sendo destravadas, a porta de ferro gasto se abriu e eles entraram vestidos em armaduras empunhando lanças, batendo os calcanhares.
_Está na hora, levante-se!
O tom de voz era ríspido e não permitia questionamentos.
Deitado de bruços no chão imundo da cela rabiscada por símbolos místicos que neutralizavam sua aura, _protegido do bolor e do frio apenas por uma rota esteira de palha, os pulsos estavam presos por pesados grilhões de prata, o metal proibido para os de sua raça; _ele muito ferido, trazia o rosto inchado escondido meio ao emaranhado de cabelos pregados a testa com sangue frio seco.
Encolhido como se ainda tivesse a cauda imaginária retorcida em torno do corpo alto e esguio, emitiu um gemido baixo e rouco, e se revirou no piso fétido, onde insetos depositavam entre as brechas repletas de lodo, seus montes de dejetos pretos, enquanto ratos famintos passeavam livremente por sobre a tigela rachada contendo os restos do mingau ralo de milho sem gosto, e o pão duro, que junto com uma caneca de cerveja azeda formaram o apetitoso cardápio, que havia sido a derradeira refeição daquele homem, na noite que ainda sem saber qual sinistra fortuna o aguardava: precederia o momento de sua transformação em um monstro completo.
Na criatura mais temida.
O predador mais perfeito.
Um banquete que jamais poderia esquecer.Evidentemente.
_Espero tenha apreciado bem a estadia na torre,“alteza”.Mas creio se lembra que o conselho hoje o aguarda para seu julgamento, antes da primeira hora da manhã
Segurando a respiração, dando a impressão de por um instante ignorar a ordem que o despertava do terrível sono de pesadelos, e se perder num amontoado de febris pensamentos no que pareceu ser um minuto sem fim, quando a ponta da bota ferrada o acertou em cheio na altura do estômago, os olhos injetados então se voltaram para além da janela estreita buscando entrever um breve vislumbre do último alvorecer que jamais tornaria a ver outro igual.
Lá fora, matizes de lilás engoliam o negro da noite que se estendia para além das Colinas de Wayadan.
Faria sol, certamente, e o dia prometia uma brisa amena na temporada dos caladrius selvagens, o convidando a mais uma vez preguiçoso dedilhar o fino alaúde de seis cordas a sombra de uma nogueira da lua, concluiu com um sorriso triste, que nunca mais faria aquilo novamente.
Com leve pesar reconheceu, que as percepções daquela centelha fugaz, resumiriam as lembranças de Antrassia que carregaria para todo sempre: a do mar quebrando alto nas escarpas do campanário cinzento, enquanto as nuvens douradas se amontoavam no horizonte acima do oceano revolto, cujas ondas ainda banhadas pelo violáceo ocaso, morriam rebeldes lutando contra o recife de pedras da antiga fortaleza de Japur.
Mas aquele paraíso de colinas verdejantes e cascatas que desembocavam em corredeiras, nunca, mesmo passados vinte anos elysios, havia sido seu lar.
Era uma criatura nascida entre as rochas, apadrinhada do vento cortante, companheiro do raio, e amante das lavas do vulcão.
Bem mais tarde iria descobrir que, ao passar das eras seria chamado de muitos outros nomes, mas por ora...
Por ora os Guardas da Torre de Vren estavam ali para levá-lo ao protocolo diante dos Magistrados Escarlate, para prestar esclarecimentos quanto a denúncia do crime de sedução e abuso de uma das sacerdotisas de Almophador.
Lady Helenka Bordinaris.
Uma Virgem da Chama Que Nunca Se Apaga.
A eleita de Aloyosha o Albino, grão-sacerdote de Milog Malagor, um dos grandes vestutos.
Pois se havia um Arquiteto do Universo, o igigu Malagor, certamente era o Mestre de Obras...
De maneira, que caso fosse provada a veracidade de tamanha leviandade, a despeito do draconis mesmo sob impiedosa tortura, não haver confessado qualquer participação no estupro, e continuamente ter jurado inocência até não dispôr de mais argumentos,_ orgulhoso ele suportara em silêncio cada chibatada com cravos de prata, cada girada da roda, ou afogamento em barril sem pronunciar um grito de dor ou protesto,_ e ainda assim um destino infinitamente pior do que a morte muito em breve o antevia.
Se uma cilada havia sido armada, para um dos príncipes Malkev, herdeiro do Grande Azo,jovem que um dia poderia ter disputado com o irmão, o Cetro de Togo, astro maior do sistema de Dracos para além do anel de Alcione, mas que ali não passava de um mero asilado, um derrotado, deveras nada mais que pálido reflexo dos rebentos da Mãe dos Elementos, A Gigante Serpente, que a tudo dera origem.
Um dia fora ele um promissor exemplo das criaturas mais nobres que jamais existiu.
O Dragão Negro.
Cuja a força, astúcia, e a verdade, a despeito dos imensos tesouros pelos quais eram aclamados, e no qual destacava-se o celletium, matéria responsável pelo apogeu e queda de sua raça, a honestidade e o brio, ao fim das contas eram as únicas heranças que haviam-lhe restado, da época que absoluto planava por sobre vales que se estendiam para picos com mais de vinte mil metros.
Lembranças, dignidade e uma espada era tudo o que tinha...
Portanto, a vigília de seus atos e a consciência da retidão deviam nortear os seus passos, sempre, se desejasse que a memória dos dragões não se tornassem contos de terror para crianças dormirem.
Obviamente algo que ele não colocoria a perder por uma noite de luxúria e devassidão, não é mesmo?
Ou todo seu povo, um bando débil e alquebrado, compelido a juntamente com singulares criaturas de aparência símia, a servirem como forças de trabalho em minas de telêrio, enquanto se amontoavam em tendas e casebres miseráveis, num vilarejo chamado de Tamra nos arredores de Agade, não mais conheceriam nem aquela sofrida e cabisbaixa paz.
E no entanto, nem mesmo esse aviltante “benefício”, fosse ele condenado a morte ou ao exílio, como eram os planetas que giravam em torno do sol e não o contrário, sabia, acabaria por resultar na desculpa perfeita que levaria a aniquilação de qualquer estrangeiro que possuísse sangue frio.
De modo, que o machado de um verdugo seria punição mais clemente.


Francamente, se em mais de dois mil e quinhentos anos nunca sentira medo, agora pela prineira vez, sem receios assumia: estava apavorado.
Afinal as poucas centenas de almas do povo que um dia dominara os céus e predara sobre a terra, estava prestes, com seu veredito, perecer sob as lanças cobertas de prata dos Valorosos Cavaleiros da Torre, e ele lacrado em Vren, cercado por runas que o impediam de desfraldar suas asas nem que fosse a última vez, nada poderia fazer.
Havia terrivelmente falhado em protegê-los, quando apenas existia para isso.
Se deixara enredar num ardil quando cumprir seu dever, era o que mais importava.
Mas não somente lhe haviam suprimido a liberdade, o decoro, seu título, ou extinto seu fogo.
Não!
Pior do que isso, admitia que seu martírio infernal repousava no fato, de que fora irremediavelmente desprivado da confiança do irmão, que para seu desgosto se mostrara uma víbora surda, ambiciosa e vingativa, um ser que ora renegava.
Que ao acusá-lo de tão vis atitudes, sem levar em conta as consequências, que diretamente não o favorecessem, acabara por arruinar a honra de uma raça inteira...Raça a qual também pertencia!
E tudo porquê?Por ele ter rejeitado aos inúmeros convites sequiosos e promessas tantálicas que a Meretriz, e não a Virgem da Chama Que Nunca Se Apaga, insistentemente o fazia, e quase o enlouquecia praticamente o levando a desejar cair em tentação de se abandonar as promessas que seu corpo sensual o jurava deleites, que ainda não havia conhecido igual.
Bem, desde que seis anos atrás, durante as Festividades da Lua Sangrenta, ela o assistira na justa contra sir Adrik Volkv, derrotar o kanis, tendo como prêmio, a incubência de se tornar o protetor pessoal da donzela de Lyra em troca de mantimentos que supririam Tamra por pelo menos dez anos mais.
E aquilo fora o bastante para fazer arder em paixão a princesa, que naquela noite o vira reluzente em sua armadura negra, com os cabelos soltos ao vento, segurando a espada suja de sangue e a cabeça do poderoso lorde de Sirius a seus pés.
Maldito o dia, que suas asas pela primeira vez, qual ônix, se desfraldaram majestosas no cume da rocha.
Maldito o dia, que fora pelas runas conjurado a ser o principal guardião do pretensamente casto tesouro, por quem tanto ardera em incediária e secreta paixão, e ora injustamente o virava as costas.
Maldito o dia, que aos pés da donzela empenhara sua Presa de Aço, e com o olhar desviado, jurara em nome do Clã de Malkev ser seu gyam até que o Albino enfim, a reinvidicasse como sua.
Entretanto, ao invés disso o que honestamente fizera?
Durante os dois mil cento e noventa dias elysios, desde que, no lindo rosto da princesa tivera posto os olhos, por mais resistente que houvesse sido no início, de nada adiantou o enorme esforço impringido no propósito de romanticamente não se envolver; se no fim, na ocasião que meramente devia escoltá-la até O Templo de Innana; quando enfim cedera, e acreditando que apenas em com ela dividir um beijo, e uma taça de vinho se ninguém os visse, talvez...
Talvez pudessem um pouco apascentar os corações sangrando em anseio, se longe demais de fato não fossem.
E no romper do alvorecer seguinte mais tranquilos, por terem ao menos compartilhado um breve instante de idílio, continuassem viagem até que a jovem aos pés do Deus Leão no templo, jurasse seus votos de compromisso e devoção ao sumo sacerdote, do Chefe dos Sidéreos do sistema do sol amarelo.
O deus que Aloysha representava, diligente servia e diziam: incorporava?
Enquanto descia as escadas para o banho de vapor antes da cerimônia, Mitra se perguntou se afinal era protoganista ou vilão da misantropa tragédia?Pois se quisesse ser honesto consigo mesmo, por um certo tempo cogitara agir mesmo de maneira afoita e egoísta, e ora imaginava se seus pensamentos mais sombrios podiam ter de fato transparecido tanto assim ao irmão infeliz, ao ponto de revelar que...
Enfim, nada disso mais importava.
Precisava insistir, e mais: convencer de sua inocência, ou pagar o preço, de carregar em nome da perigosa atração por Helenka, a extinção de sua gente.
Carecia acima de tudo usar da inteligência e colocar em xeque o teor da relevância daquilo que se passa por trás das cortinas e os olhos não vêem, os ouvidos não escutam, mas bocas sussurram, muitas vezes guardam equívocos, que infelizmente questões por serem errôneamente interpretadas, podem gerar comoções celeradas.
Algumas delas capazes de serem distorcidas, se de seus resultados podem-se extrair vantagens incontáveis, que no entanto, beneficiriam a alguns poucos.
E ele fazia alguma ideia de quem seriam.
Ou seja, quem com apoio do Albino mais ganharia com o extermínio dos tamreses?
Evidentemente, aqueles que por anos e anos imploravam em conhecer o segredo da forja da estrela, cuja Presa de Aço era o maior símbolo.
Um artefato que com sua prisão fora prontamente confiscado, e apostava todas as posses das antigas minas nas Cavernas dos Eco: destinada a se tornar um inútil objeto de estudos, até que um dia descobririam que na verdade ela era parcialmente feita de celletium, uma liga, que não mais podia ser fundida, já que não só Togo, como Dracos, deixara de existir há mais de um vinte anos...
E este era um ás que tinha na manga.


O salão não era forrado de ouro, muito menos adornado de fino mármore rordeado por longas colunas cintilantes que sustentavam abóbodas repletas de afrescos e pesadas cortinas de veludo carmim, entremeado por uma rica passadeira rubra que solene conduzia os réus a dobrar-se ante a um magnífico trono cravejado de pedras; mas podia facilmente acomodar de pé, uma multidão de dois mil aristocratas antrassos, ao redor do fosso da Roda dos Caminhos, e cujos portais em forma de pálpebras não abriam seu olho cíclope de negra íris há pelo menos sessenta anos.
Um julgamento daquela importância era algo difícil de acontecer em Elysian.
Pois nem mesmo o grande Ea, o poderoso herdeiro de An, o lendário conquistador com seus cinquenta heróis, sim, ele, o desbravador antes da expedição que o enviara a ki onde descobrira o ouro, temera diante da travessia do Bracelete Esculpido que, por meio da máquina curvadora do tempo interligava os doze corpos celestes.
De modo quem seria louco de desafiar os Magistrados, e correr o risco da viagem ao reino selvagem?
Só o príncipe Mitra... 
 
Alguém certamente com seus botões, deva ter pensado coisa semelhante, ao ví-lo ao som do terceiro chamado da trombeta, emagrecido, mas ainda orgulhoso, com os abundantes cabelos castanhos escuros trançados a moda da capital Agade, entremeados por um fino cordão de couro, similar ao que o rodeava a cintura e mantinha no lugar as dobras do curto saiote de seda negra, para também se enroscar em tiras de sandálias que lhe calçavam os pés alvos, admirável e pronto para enfrentar sua sorte, despontar na entrada da nave com o resplendor da cúpula que envolvia o planeta a lhe colorir a pele cortada pelos cravos do açoite, o que emprestava ao príncipe um ar inesquecível de mártir celestial legendário.
Era uma visão de arrancar suspiros, e não só de mulheres, há que se dizer...
Bem, visto daquele jeito, não era difícil entender porque a jovem Helenka preferira com ele se deitar, ao invés do sinistro siriano Milog Malagor que emergeria dos Céus mais longínquos, e possuiria a figura de um inconsciente Aloyosha, para fazer-lhe esposa.
De modo, que ladeado pelos dois guardas de elmo pontudo, e capas amarelas forradas de púrpura, seguido mais atrás por um séquito de outros duzentos, cruzou os portões de bronze que traziam em suas placas pesadas, o entalhe de duas serpentes enroladas em torno de um cajado comprido, um símbolo sagrado revelado por Ningishizidda, que representava toda a origem da vida, a fonte do poder que relegava aos sidéreos o controle dos sete universos conhecidos, e mais até.
Mitra não era tolo, por isso ergueu o queixo em procura do irmão.
Queria com ele cruzar o olhar uma última vez antes de tudo começar, de maneira a mostrar que não tinha nada a esconder.
E bem, identificar o Albino na tribuna não exigiria muito esforço, pois apesar de não ser seu idêntico,_ para o gosto elysio_,Aloyosha, era também um atraente espécime com cristalinos olhos azuis, e longos cabelos lisos dourados, o que facilmente o destacava meio às duas dúzias de velhos enrugados e alienígenas esquisitoides.
Mas ele não estava lá, pelo menos não às vistas.E naquele instante, por causa disso, o chamar de bastardo seria um insulto a recordação da própria mãe...
Se bem que era isso o que ele era, um filho da puta!


No centro da Câmara havia um círculo que media mais de seis metros de raio em sua embocadura de pedra.
Ao redor dele, sentados em cadeiras de espaldar alto, vinte e cinco Magistrados em robes carmesim o aguardavam, devidamente escoltados pelos Caveira e Espadas, um grupo encapuzado cujas identidades nunca poderiam ser reveladas dado o teor de suas missões.
Versados em tortura e técnicas militares avançadas, eram os homens mais temidos de Elysian.
Contudo, jamais seriam páreo para um irado Mitra.
_Quem fala por sua vida?
A criatura semelhante a uma ave sem penas, de nome Merriku se manifestou não de fato usando a voz, mas ainda assim se fazendo entender por todos que estivessem na Torre.
_Como passei a noite trancafiado numa cela, e muito ocupado com “digamos” um incômodo mal estar, não pude conseguir um advogado, lamento.
É o sarcasmo dele era bem conhecido, assim como o fio de sua espada.
Charmoso com aquele sorriso branco e desafiador que com coragem enfrentava aos muxoxos de indignação, o desgraçado só podia mesmo ser um maldito draconis.
Por um instante dragão e sidéreo cruzaram os olhares, mas um ex-mago, amigo de longa data e que também assistia ao julgamento, após refletir um instante veio em seu socorro.
_Deixem que eu o faça.Sou Lorde Kasturr, dos Túnicas Pardas de Vardian, ex-sacerdote de Tamuz, e gostaria de representar... _Ponderou se devia ou não dizer “homem”, pois sabia da aversão que o príncipe nutria da condição que o prendia àquela forma delicada e restrita._A esse rapaz._Com um pigarro de hesitação, decidiu que “rapaz” seria melhor, e foi o que fez.
Uma atitude que Mitra num gesto leve de cabeça agradeceu, enquanto os pergaminhos luminosos, que projetaram a imagem em esverdeados hieróglifos do processo para além do rolo, contendo todos os depoimentos que levaram à sua ordem de prisão e caça, e do qual o mago se inteirava com preocupação, para total desgosto de ambos, também foi anunciada a identidade do promotor.
Lorde Dork Gendror de Valtav, ironicamente irmão mais velho de um antigo adversário de Aloyosha, mas que por caçoada do destino agora defendia a causa levantada pelo Albino?
O que era uma merda sem tamanho, pois o tal Dork “barrigão” na Câmara Alta, com genuíno mérito, ganhara fama de orador elouquente e hábil, o que é lógico, ia fazer feder pro seu lado, já que o que estava em jogo ali ia muito além da condenação de um príncipe sem reino.
Aquele arremedo de homem com voz fina e irritante comeria seu fígado se pudesse.


Arquitetura, astronomia, matemática, linguística, medicina e o costume que levou ao surgimento das leis escritas, aos códigos e ao equilíbrio da ordem, além, claro, do gérmen que deu origem aos primeiros adamicos, o processo já naquele tempo, antes dos arianos pensarem em Ki construirem sua Atlântida que não afundou mais foi com tudo_inclusive a terra_transportada de volta a Lyra, Elysian, para os terráqueos Marduk, luzia como a mais avançada das civilizações do sol amarelo.
Mas isso não queria dizer que só por esse motivo seriam infalíveis e seus procedimentos jurídicos perfeitos.
Uma discussão que seja em Pégasus, seja em Cygnus, ou mesmo na azulada esféra da Terra, a aplicação da letra fia da norma, ou da ponderação da equidade, persiste como um dos mistérios insolúveis até os dias de hoje.
E aquele caso não podia ser exceção, para variar estava viciado coalhado de provas forjadas, interesses escusos, embora houvesse um único detalhe e Kasturr notou, era justamente isso que fazia Mitra se tornar um sério suspeito, envolvia a questão do sêmen, sêmen de dragão encontrado no corpo da vítima, e que o indício baseado não apenas na matéria orgânica, mas também da essência da cobra espinhal, irrefutavelmente comprovava, a substância pertencia a ele, ao Dragão Negro, e ponto final.
Nem mesmo um replicante possuiria alinhamento energético igual, então como?
Como?
Como alegava o príncipe: a donzela não ter sido molestada?
Tanto que ao ler aquilo, enquanto com tédio ouvia o longo discurso de abertura da acusação e se armava para o preâmbulo da defesa, Kasturr se aproximou e com péssimo humor perguntou:_se tem amor ao seu pescoço, pra não dizer outra coisa, gostaria que me explicasse essa curioso detalhe _apontou com o dedo para os resultados do DNA, _ e bem direitinho, ou eu mesmo faço o serviço aqui e agora...
E Mitra entendeu bem o significado de “serviço” por isso com um pouco de agonia, enviesou os olhos:virar um eunuco não estava nos planos.
_Eu não sou nenhum santo, nem fiz voto de castidade, longe disso pra ser franco._De soslaio admitiu.
_...Sei. _Kasturr soltou um suspiro de “haja paciência”, enquanto algemado o draconis chamou o ex-sacerdote pra mais perto, que já arrependido de ter tomado seu partido, encostou a orelha na boca do boa pinta sedutor.
Bem?Naquela época, o príncipe era muito diferente do que fadado estava a se tornar.
Um ser atormentado e retraído, cujo prazer, não mais limitar-se-ia a explosão do sexo, mas sobrevinha da profana embriaguez.
Assim Mitra tranquilo sem conceber o que de braços abertos entre as sombras o reclamava, com o simplório olhar da mais pura inocência não teve vergonha em revelar ao ouvido do mago, que entre boquiaberto e consternado, escutou, a genuína embora sórdida fonte onde Helenka teria conseguido sua essência, e, por essa razão, não sabia naquele minuto, se ria ou se o esganava?
Mas reconhecia: aquele argumento que Mitra o havia segredado era bom, realmente muito bom, e seria um trunfo a ser usado quando o “rapaz” fosse enfim testemunhar.


Então, depois das apresentações, por parte de Kasturr tão breve quanto um bom dia, e do lado de Gendror, um discurso arrastado e melodramático, procedeu-se ao arrolamento de testemunhas circunstânciais.
Depois disso, foi feito um intervalo na sessão enquanto as chaves se preparavam para depôr.
O que incluiria Helenka, mas primeiro...
_Eu, Aloyosha Malkev, primogênito de Azo Malkev, rei de Togo, em nome do que existe Acima e Abaixo, juro, falar a Verdade._Declarou se erguendo com o braço direito cruzado sobre o peito, enquanto firme, caminhou até o centro do círculo, cuja trava era encerrada pelo símbolo do sol central.
Com um leve sorriso triste num momento de fraqueza Mitra disse: olá?
Mas Aloyosha não retribuiu, de rosto duro, ele não se virou para ouvir.
_Comece.
A criatura de mãos postas com quatro dedos determinou num gesto que levantou apenas uma delas.
Numa mesura, O Albino cumprimentou cada um dos Magistrados, desde Merriku até Lemir de Aldova, o Cavaleiro da Sagrada Ordem do Monte que fazia parte do Magistrados, um antigo aliado do caçula e de Kasturr.
_Deveras o único pecado de meu irmão Mitra é a idiotice.A vaidade que como um pavão o deixa cego, muitas vezes o impede de perceber, que não passa de uma vítima._Risos._Se tivessem antes perguntado, diria ele ser pouco mais que um peão descerebrado cuja habilidade com a espada, e convenhamos, uma certa sorte para atrair mulheres qual moscas numa teia coberta de melado, o faz imaginar ser algo muito mais proveitoso do que é, francamente.
_Aloyosha, seu desgraçado!
Os olhos dele piscaram e não pareciam acreditar no que ouvia, mas o dragão prosseguiu.
_Por ter se tornado um Negro, ao invés de mim, acreditou por mais de dois milênios que o simples fato de ostentar escamas escuras, o fariam superior, pois assim seria o legítimo herdeiro da Presa de Aço, e por consequência, àquele a ostentar o Cetro de Togo no meu lugar, pois no rígido e retrógrado entendimento dos anciãos de nossa casta, em Dracos eu não passava de um réles e desimportante dragão branco.
Então, então existia mesmo um ressentimento que ele jamais revelara até ali?E fora preciso chegar a esse ponto, para conhecer uma faceta do irmão cuja natureza nunca antes suspeitara.De que ele tinha inveja e ciúmes...
_O que Mitra não desconfiava, era que não somente eu, mas todo o povo reminiscente de Togo, estava farto de suas irresponsabilidades, da vida fácil que levava na Corte, cuja maior preocupação era ser o campeão de uma justa, utilizando para esse fim a Presa de Aço, nosso último tesouro, como se nenhum valor real tivesse, além da serventia de decepar cabeças em troca de alguns fardos de carne e pimenta.
_Seu miserável duas caras, como ousa corromper os fatos desta maneira?_As feições de Mitra enrijecidas se tornaram rubras e perigosamente ameaçadoras, enquanto se remexendo entre as correntes, foi preciso que seis guardas o lancetassem com as baionetas de prata, para que pudessem segurá-lo de voar no pescoço do irmão.
Entretanto, como se os protestos de Mitra não passassem de mero zumbido de zangão preste a ser destruído pela rainha da colméia, Aloyosha continuou._De sorte ele não supunha, que em Tamra, poucos nas últimas duas décadas eram aqueles que aceitavam a liderança ter cabido a ele, quando eram a mim, por quem em segredo exigiam ser chefiados.
_Se houvesse me dito, certamente eu...
_Cale-se, chega.Estou farto dessa sua tendência de querer chamar a atenção!Será que não vê, tudo passou de uma trama para que fosse julgado, e sentenciado a morte, seu palhaço imbecil? E eu, no seu lugar pudesse enfim ser capaz de realizar uma aliança com Antrassia, que garantiria aos toganos a certeza de se legitimarem como elysios, ao contrário de meros servos asilados relegados a condição de abomináveis marginais da periferia, para os quais parecia: você não dar a mínima?
_Só pode estar brincando! _Mitra gritou, o peito arfando, e seus olhos eram chamas cor de ouro._Todos sabiam que apesar de minhas fraquezas, nunca exitei em defender o nosso povo!
Então àquela altura o julgamento já perdera o ar solene, até porque a forma era menos rígida do que a praticada na atualidade, e vendo que Aloyosha pressionado pelo irmão já despontava traços de nervosismo, sem ao menos aguardar ser convocada, Helenka, deixou que a capa caísse de seus cabelos e por um instante fitou o rosto do homem que fingira tanto amar.
_Exatamente por ser tão crédulo foi possível manipulá-lo.
_Mas o que raios está acontecendo aqui? _Lorde Dork “barrigão” se empertigou.
_Deixem, por favor, que ela fale, _Kasturr adorando o rumo que as coisas iam tomando, pediu a Corte.
O que estranhamente foi concedido por Lemir.
_Por favor compreenda, Aloyosha nunca teria a coragem de matá-lo com as próprias mãos, e como em combate não houve adversário que o vencesse, a única maneira que a Curia das Nações, viu, poderia tirá-lo do caminho seria se...Fosse seduzido e se apaixonasse.
Evidentemente que essa não se tratou de uma tarefa fácil, afinal a sua fama de conquistador, somente era suplantada por sua sede de sangue.De forma, que admito, foi preciso muito mais do que beleza e encanto para que eu pudesse atraí-lo.
_Precisava de um motivo para fazê-la especial._De olhos estreitos, Mitra ajudou a fechar o raciocínio, para vir até onde iria aquela pantomima infame.
E por um instante cogitou estar sob efeito de alguma droga desconhecida, ainda sacodido por pesadelos na cela mofada, coberta de bosta.
Súbito o cheiro de fezes e carniça de animal, pareceram tão mais fragrantes que os aromas de sândalo e jasmim, que os incensos do salão em profusão queimavam de maneira adocicada.
_Sim.Um que me fizesse, digamos: proibida.Algo que certamente lhe despertaria o espírito rebelde...Como o impulso da competição, que consistia em roubar a prometida do irmão, o qual fora descoberto o deus ora como aparelho ele “encarnava”?Ou por qual outro propósito, acha, convocaram um guerreiro do porte de Aloyosha, a servir como ácolito no Templo de Tamuz, tão de rompante?
Pensou mesmo seu tonto, o “dingir” o invitara?
_Mas nem assim o estratagema de vocês funcionou não é?E sabe porquê, porque eu só comi o seu rabo, sua vadia desgraçada!
Pronto falei!Foi da tua bunda que..._Antes que pudesse completar, Kasturr com um sorriso sem jeito tapou a boca do príncipe, que continuou resmungando, até conseguir dizer. _Pois é, foi daí mesmo que conseguiram a prova, que acreditam ser capaz de vez me arruinar!
_Então que chamem uma parteira, uma parteira de Innana imediatamente!
Lemir exigiu, mas antes disso, lindíssima em sua veste vaporosa verde claro, os cabelos loiros caídos nos ombros, Helenka Bordinaris se aproximou de Mitra que tremeu e torceu a cara. Mas ela o segurou firmemente pelo queixo, somente para receber uma grande jorrada de cuspe no rosto.
_Só para matar a saudade de quando chupou meu pau, e pediu mais!_ Com efeito ele conseguiu se erguer e sua voz forte soou toante:_já que irei morrer, então, que todos aqui saibam, a grã-sacerdotisa do Templo da Estrela Central geme que nem uma porca no cio, quando levanta o traseiro para um dragão!
E aí meu irmão, ainda vai querer comer essa puta, que numa noite eu fiz me dar mais que uma meretriz de Akanta?
_Seu, seu pervertido salafrário!_Com as unhas afiadas o esbofeteou, no entanto ele não se intimidou, limitando-se a gargalhar.
_E por acaso estou dizendo alguma mentira, minha querida milady?_Imitando o gesto de Aloyosha, ante a uma estarrecida aristocracia que agora não mais gritava por justiça, mas se remoía em cochichos de falso moralismo, provocou._Atrevo-me a perguntar, será que a existência de três mil almas vale um pedaço de pele? Porque se assim o for, e outro não tenha tomado meu lugar, e caso Malagor ou quiçá meu irmão ainda a aceitem, façam bom proveito, pois Helenka Bordinaris continua virgem...Usada, mas virgem!
E nesse minuto a parteira chegou, uma mulher alta, de tez avermelhada e feições de pedra.
_Com que vão ficar aí parados sem fazer nada?_Parecendo que ia explodir, ou sair voando numa vassoura, Helenka numa voz esganiçada protestou, apenas para ser arrastada por dois guardas ao menor sinal de Aldova.
_Sim nós iremos, _admitiu Merriku, _iremos examiná-la.
Um instante de embaraço se passou, quando esperneando e com um vocabulário ainda mais, “elouquente”para vulgaridades, que o de Mitra pois se multiplicava em diversas outras línguas, Helenka entre outras coisas o amaldiçoava a masculinidade, segura não por sacerdotes, mas por quatro dos Caveiras e Espadas, Varla, a sacerdotisa sem qualquer vestígio de falso pudor, apenas a enxergando como mais uma entre tantas cadelinhas que sassaricavam pelos cantos do Templo, afastou-lhe as pernas e enfiou-lhe um dos dedos.
Foi quando finalmente ele entendeu os ventos mudavam ao seu favor, ao vir que Aloyosha muito discreto, limitara-se a rangir entre dentes em direção a Helenka:_sua imbecil, você estragou tudo!
Ele a fuzilava.
_O Dragão Negro não mente._A mulher disse com uma voz que de tão grossa, parecia masculina.E da mesma maneira que sorrateira entrou, dali saiu .
Então o chefe dos anciãos se manifestou .
_Levem-na a uma das celas da Torre. Mais tarde iremos decidir o que fazer com a infeliz.
_Eu, eu sou uma princesa seu velho asqueroso, não pode simplesmente me matar sem um julgamento!Meu pai, meu pai acabaria com vocês!
_Tem razão, mas nem o fato de ser filha de Zeus, a livra de uma punição imediata por falso testemunho, de modo ficará detida enquanto abrimos o processo e avaliamos o caso.
_Mas foram vocês quem me mandaram seduzir o miserável!
_E onde estão as provas de que o fizemos? _Contra aquela sugestão de Lemir ela não tinha argumentos.
Burra, burra, burra.Tudo estava acabado.


Com o olhar endurecido e feições sérias, Mitra munido de honesta humildade se dirigiu ao mais reto dos Magistrados, Merriku,_diante dos fatos, qual será portanto minha sentença?
Lorde Kasturr de Vardian, que havia sido quase monossilábico na abertura dos trabalhos, no encerramento se estendeu um pouco mais.
_Jovem príncipe Mitra Malkev, com quem mais de uma vez empenhei minha espada na luta contra os drows de Shamath.À luz da confissão do irmão e o qual perante todos, com a declaração de lady Helenka, a inocência ficou comprovada; haja vista nada ter sido além de uma incauta peça de um ardil, da maneira mais vil já concebida à um dragão, e cuja vergonha dos propósitos insulta até mesmo o bom nome e a memória dos antepassados, exijo seja feita a verdadeira justiça,_com a graça da certeza, caminhou até onde de cabeça baixa o príncipe aguardava o veredito, e sobre seu ombro, pousou a mão em sinal de apoio.
Dork Gendror, que espumava, nada podia fazer além de derrotado assistir a preleção.
_Todavia dada a natureza do caso, que envolve não mais um crime, mas acima de tudo uma questão de honra, _relembrou Lemir,_gostaria, portanto, de evocar a antiga Tradição da Moeda de Lott cuja a punição e a recompensa, é decidida por quem na vitória da luta atira a peça ao ar, mais uma vez arriscando a própria pele, pois se o lado que o condena for pelo vitorioso escolhido, terá de aceitar o destino que a moeda o designa.
O Conselho aceita minha proposta?

A deliberação em favor fora unânime, a lei antiga sempre era motivo de respeito, havia sido ditada pelo próprio An como tributo a desventura da Grande Tiamat.
_E quanto a você, meu caro e perturbado príncipe, cuja boca deve ser enxaguada com barrela?
_Aceito.
_Alteza...?_Merriku dirigiu-se a Aloyosha, que parecia uma pedra de gelo.
Ele fez que sim.
Assim as algemas do Negro foram soltas, de modo que ele pudesse os erguer._Pois que todos ouçam, eu, Mitra Malkev, desafio o príncipe Aloyosha Malkev para um combate, e já que todos são de acordo, que por favor: tragam nossas armas.
Após uma pausa enquanto a arena era improvisada, o draconis de surpresa aproveitou.
_Gostaria de pedir ainda, que independente do resultado, e das consequências que advirem da batalha.O povo de meu pai, já que este não me considera, fica a partir desta data, em nome do subjugo de um dos Malkev, abolidos de qualquer laço de servidão com os elysios, ganhando igualdade de direitos na qualidade de cidadãos de Antrassia.Para tanto, como último desejo, exijo um pergaminho selado a sangue assinado pela Magistrados, que assim os reconheça.
_Ora mas é um disparate!_Reclamou Hollbarth o juíz cinzento quebrando o silêncio sepulcral. _E o que recebemos em troca?Já que na barganha, exige liberemos nossas forças de trabalho nas minas de telêrio, pelo que mesmo?
_A revelação do segredo da forja da estrela.A liga da Presa de Aço.
Aloyosha então súbito ficou impressionado, e admitiu Mitra agia de maneira inesperadamente brilhante, tanto, que ele ensaiou uma curta batida de palmas.
No fim, o idiota aprende?Pensou.
Ao menos o embuste servira para algo, transformara um tolo num sagaz.
_Basta!É o suficiente para virmos, trata-se de uma criatura honrada, alteza.Serei, portanto, testemunha de vossas palavras, pois me ofereço como escriba do acordo._Lorde Lemir mais uma vez em consideração ao guerreiro que tantas ocasiões tivera à mesa, mostrou sua lealdade e gratidão.
E nesse minuto Mitra decidiu, que se escapasse, pouparia a vida do homem e sua prole.
Quanto ao resto...
Irmão._Tentou o elo mental, uma habilidade que dia a dia passado naquele mundo, ia se reduzindo.Mas não obteve resposta, ou Aloyosha se recusara a um adeus.
Todavia o olhar de ambos era de pesar, quando conduzidos ao centro da arena improvisada, as armas foram a sua frente depositadas.
Um tridente, uma rede, uma foice, uma maça, uma curva, uma espada longa e outra curta, mas nenhum elmo ou escudo.Ou seja, a batalha não era de brincadeira.
Mitra imaginou que Aloyosha, no maior combate de sua vida iria optar pela espada curta e como o braço direito era ligeiramente mais forte que o esquerdo, uma maça seria a opção. Foi com estranheza viu, o irmão após pensar um minuto, o rosto voltado para abertura da cúpula por onde os raios do sol holográfico formavam um halo em torno dos cabelos loiros ele num tom seco disse: _A rede e o tridente, são a minha escolha.
_Tem certeza?_Num súbito momento de compaixão o mais jovem dos gêmeos perguntou.
_Absoluta.
_Então eu elejo a espada longa e a curta._Que também não eram as suas prediletas.
E todos ali não entenderam porque o Guerreiro da Cimitarra havia rejeitado a arma que o consagrara.
A arma que imitava a sua inseparável Presa de Aço.


No centro da redoma, que escondia um portal para ki, manoplas foram ajustadas em torno dos pulsos no lugar das algemas, e os príncipes receberam cinturões de ouro, que melhor aguentariam seus curtos saiotes durante a luta.
Fora isso, nenhuma outra proteção.
Então Lorde Kasturr de Vardian se aproximou como árbitro de Aloyosha, e o sidéreo Hollbarth de Mitra, e antes que o combate iniciasse, tochas simultâneas acenderam labaredas que os encularraram ao centro, de modo que uma fuga da arena se tornasse impossível.
Pois desde que o desafio fora lançado pelo príncipe contra o próprio irmão, nem mesmo uma intervenção divina de um vestuto igigu, teria o condão de impedir o combate, já que se tratava de uma questão de honra.
Destarte o crepitar das chamas altas, que provocou uma intensa onda de calor a despeito da enormidade do sítio.Além do cheiro de fumaça misturada à incensos fortemente aromáticos, fez com quem quer estivesse ali presente assistindo ao duelo, perdesse o fôlego. 
 
Apenas o velho cavaleiro parecia não ter francamente se empertigado, pois solene e sereno anunciou, com a voz embargada:_Ao desafiado, concedo o direito do desígnio de como a moeda irá efetuar o castigo.
Sem titubear Aloyosha respondeu: _que o olho do cíclope se abra, e o de menos fortuna conheça o exílio em ki pela eternidade.Esse é o meu desejo.
_Eu aceito. _Merriku concordou. _É a vez do desafiante exigir a espórtula.
_Nada, além da mão de lady Helenka Bordinaris em casamento._Inesperadamente Mitra requisitou, o cenho franzido e nenhuma outra expressão que pudesse obsequiar qualquer expectativa de trama suprimida em sua mente, além da vingança, é claro.
Ele era elementar e transparente.Simples assim.
Enquanto Aloyosha podia ser definido como o gelo, a tempestade e os ventos, ele resumia-se ao trovão, o caos, o fogo em sua mais explosiva natureza.
Quantas vezes, quando não eram mais do que meros filhotes recém chocados, na época em que as escamas ainda não mostravam nenhum colorido além do pardo castanho ou insosso cinzento, em seus ingênuos folguedos de répteis alados ensaiando os primeiros saltos, o mais velho sempre ponderado, tirara de enrascadas o afoito herdeiro das chamas?
Como da vez que haviam escalado o ninho do Gryphon de Nurerg, para pegar uma das plumas douradas, e assim enfeitarem o penacho do rei, por pouco não acabaram estraçalhados pelo bico da ave, não fosse a esperteza de Aloyosha em se meterem entre as galhas das árvores e com as cordas que o branco trazia em volta do gargalo, trançar com seus dentes e destras garras, uma imitação de rapel que os permitira descer pelo costado de pedra, enquanto numa trama de galhos e folhas havia improvisado uma espécie de réplica de criatura com asas, que vagamente lembravam dois dragões.Mas seria o bastante para enganar a fera, e como pipa as fizeram planar no ar, enquanto silenciosos, deslizavam, pela extremidade oposta?
Naquela ocasião, Mitra simplesmente havia sugerido lutassem contra a besta, lembrando que eram dragões afinal de contas.Mas Aloyosha pacientemente explicara, o fogo por não ter se revelado, seriam néscios de imaginar teriam qualquer ventura contra a criatura feroz.
Por outro lado, na primeira aventura amorosa na forma que seria batizada como humana, quando completamente embriagado naquela bebida que chamavam de vinho, Aloyosha se viu aos tropeços chamado à duelo por um indignado conde de Murtah, o tal irmão de Lorde Dork Gendror _o consternado marido traído_, cuja esposa fogosa o Albino tinha lhe fodido até os buracos das orelhas se lady Aurelia assim tivesse pedido, e apesar de ser um afamado espadachim, mal conseguia se equilibrar de pé; naquela vexatória ocasião, Mitra, portanto, fingindo ser o irmão, tomara seu lugar no encontro de honra, e bem? Uma viúva rica foi feita ao leste de Petrovia.
Evidentemente que mais tarde ela também agradecera o favor...
E tantas, tantas outras aventuras, de repente pareciam irrelevantes, lembranças a serem sopradas pelo vento como um fragmento de poeira que dança no ar por um instante, e depois evapora sem rastros deixar.
Algo mais tinha significado?
Mitra acreditava que não.De qualquer forma, morreria dali a instantes.



_Liberação do selo da flor de quatro pétalas.
Merriku, o sacerdote de Antu, ousou evocar.
Porque sejamos honestos, não é lá todo dia que se via uma rinha de dragões, e o sidéreo, em sua mente analítica gostaria de saber até onde aqueles dois seriam capazes de guerrear por seus ideais, que como frágeis castelos de areia pareciam terem todos ruído com uma única onda mais forte: a da decepção.
Então, consoante um abalo crescente, oriundo de metros e metros abaixo da Torre, houvesse ocasionado um foco císmico somente sob seus pés, a ativação energética que parcialmente os rendia numa das sete travas, que os reduzia a meros elysios desprovidos de aptidões fantásticas, eclodiu com uma explosão de luz; o qual a ruptura do encanto, por alguns instantes os pegou inteiramente desprevenidos, sustendo aos gêmeos no ar, contorcendo em dor atroz.
Aprisionados numa estranha dança torturante, enquanto os caracteres rúnicos em suas espinhas projetaram para além de si mesmos um espectro da flor sagrada, que como miragem foi vista refletindo em matizes que oscilaram do terracota ao rubro sangue, num átimo qual ilusão desaparecendo sem vestígios restar.
Ato contínuo Negro e Albino se encolheram, e num grito surdo emudecido pelo escruciante tormento, de suas omoplatas talhadas,_que qual escondessem vermes desejosos de encontrar outros hospedeiros, que não os corpos de seus espetaculares albergueiros,_súbito despontaram fibrosas asas.
Asas grandiosas, que de ponta a ponta em suas existências humanóides, exibiam uma envergadura de mais de cinco metros.
Com satisfação, Mitra pensou, iriam morrer com orgulho.
_Hora de voar!_O Negro disse traçando uma cruz perpendicular com as espadas que soltaram faíscas, parando somente um segundo no ar enquanto armava a ofensa, mas foi Aloyosha quem com o tridente em riste e batendo violentamente as asas escamadas, primeiro atacou.
_Que a famigerada Lamatsu o carregue!!
_Só se eu levá-lo junto. _Mitra se esquivou do golpe, recebendo o impacto da rede de energia dobrada como um saco vazio na altura do estômago, e aproveitando do avanço do irmão, o acertou com uma brutal cotovelada no rosto desprotegido.
A intensidade da pancada, exortando uma carga tão poderosa de poder, que atirou o albino oito metros acima, em direção a abertura da cúpula.
Sangue escuro, venenoso, escapou de sua boca, e jorrou em direção a platéia que se viu buscando refúgio da perigosa peçonha, que podia ser letal, se aspirada ou por engano ingerida.
Mas para quem achou que Aloyosha iria se intimidar com tamanha demonstração de força, se espantou com sua gargalhada rouca e profunda que misteriosamente, denotava prazer?
Tanto, que crente de que a próxima manobra seria o suficiente para lhe oferecer certa vantagem, com uma velocidade incrível, que fugia a capacidade meramente mortal de reproduzir tamanho feito, o que obrigou Mitra a girar em torno de si mesmo, e se fechar meio a suas asas, que prontamente o abarcara como um manto, Aloyosha mais arguto, retribuiu o potente soco do negro, com o tridente sendo atirado em uma das asas de Mitra.
Precisamente a direita, antes que esta novamente se abrisse para que soberbo sobrevoasse seu adversário como sempre fazia, quando ainda rapazola acossava suas presas, as deixando tontas com seu belo e letal ritual de caça.
Só que Aloyosha nem de longe era um mero alvo.
E ele tinha que se lembrar disso, se quisesse sair vivo dali.
_Merda!_Disse entre dentes, enquanto caía, caía, caía com a prata do tridente atravessada na asa.
O que de pronto, fez com que apodrecesse e rachasse em mil pedaços como cristal partido, até virar poeira
 
E naquele breve momento, então compreendeu a razão do irmão ter eleito o tridente, pois as pontas deste eram minimamente banhadas com o metal, que se condicionados na aparência humana era o bastante para os neutralizar e amortecer, em contato com a carcaça de dragão podia ser letal!
Não chegou a piscar e estava no chão, desarmado, ostentando apenas uma asa que também se quebrara, suas costelas espatifadas, simplesmente o paralisavam como quisessem seus ossos fossem pinçados para fora. 
 
Das narinas e boca, sangue se misturava a vômito.
Vindo na sua direção calmamente, revirou os olhos, pois lá estava Aloyosha, estonteante de cabelos soltos, com as asas brancas totalmente abertas, e os punhos levantados, glorioso exultava a majestade, numa vaidosa demonstração de masculinidade e supremacia, de tal forma que encantados todos gritavam, gritavam, e gritavam mais pela hegemonia do Albino tão fantasticamente revelada.
Torcendo o rosto, Mitra notou, a espada longa estava a uma distância impraticável de ser alcançada, contudo...A curta, se conseguisse desviar a atenção do cretino por um mísero segundo, poderia ter alguma chance, afinal.
_Sabe de uma coisa, _ele tentou falar, mas jatos de sangue escaparam e quase engasgou com a própria saliva grossa, embora tenha sido o bastante de fazer com que o primogênito, que a despeito da assumida vilania, recebia os aplausos enlouquecidos dos elysios, por contarem a breve luta ter chegado ao fim, se virasse perplexo em seu rumo, estarrecendo-se ao perceber que ao invés de estrebuchar e babar, Mitra havia rolado até a espada curta que o servira de muleta para se reerguer, e dando uma rasteira num dos guardas menos atentos, tomar-lhe a lança, _a vitória só pode ser cantada, quando o adversário perde a cabeça!
Que silvando como um raio de fogo, atingiu em cheio a panturrilha do irmão, e ele com efeito se dobrou de joelhos em toda sua altura.
Levou o espaço de uma gravata em torno do pescoço, que passou a ser asfixiado com o antebraço de Mitra como uma anaconda enrolada, para arrancar a seta entravada no músculo rijo.
A carne esfacelada profundo deixou a mostra tendões, e foi nessa hora que a luta dispensou qualquer aparato, que não fossem apenas os punhos, os dentes, o ódio.
Estrangulado, o Dragão Branco sentia a torção do braço para trás, enquanto entravado em meio as coxas fortes de Mitra, que sem misericórdia o cabeçeava como tencionasse arrancar-lhe o cérebro a pancadas, o belo príncipe de olhos claros foi cedendo, cedendo, cedendo, curvando o corpo para frente como finalmente capitulasse dos terríveis pecados.
E nessa hora o que se ouviu foi, por aqueles mesmos que ainda pouca clamavam por Aloyosha, o vangloriar em favor de: _Mitra, Mitra, Mitra!
Um mantra em uníssono, que unicamente o moveu a apertar ainda mais seu laço, que, contudo foi inopinadamente desfeito com o artifício de Aloyosha, cuja testa quase tocando no chão, o fechou num arco que com o impulso das asas, catapultou o Negro para fora da arena, chamuscado pelas labaredas do círculo.
Tudo terminara.
Pois com um vôo rasteiro, os punhos fechados em cálice, enquanto desesperadas as pessoas corriam e gritavam, pisoteando umas as outras, Aloyosha num planar letal levou consigo pelo menos vinte almas, até alcançar o irmão, estirado com o pescoço meio fora do lugar, e o joelho desconjuntado num ângulo estranho.
E cujos movimentos vinham apenas dos olhos e dos dedos, que toscamente seguravam um pedaço mínimo de metal.
_Peça clemência. _Ordenou.
As sandálias pisoteavam-lhe o que restava do abdome luxado e distendido por fraturas.
_Jamais.
_Nunca foi o mais inteligente...
Dito isso, Aloyosha saltou com os punhos, cotovelos e joelhos cerrados, e com toda a força e gana que lhe restava, pois também já estava exausto, golpeou Mitra que viu tudo escurecer, e desmaiou perdendo a luta.
Mas não antes de, enfiar fundo na base da espinha, o minúsculo estilhaço de prata, que embora não fosse matar o miserável traidor, para sempre o transformaria num lamentável ofídio rastejante, que era o que na verdade Aloyosha nascera para ser: nada além duma condenada vil serpente expulsa do paraíso.
_Morre um dragão e nasce uma cobra.
Foi a última coisa que Mitra disse.
E a escuridão então o chamou ao repouso, no exato minuto, que levava consigo tudo aquilo em que depositava fé.
O véu de Nix nunca fora tão negro.
Ou a morte tão bem vinda.
Deveras uma graça que para ele, não viria jamais.


Dois corpos permaneciam caídos.
Dois corpos aguardavam um desfecho.
Mas apenas um deles estava consciente.E era Aloyosha.
Ele havia ganho a luta, ganho o prêmio e implicito o inquestionável direito de governar sobre os descendentes de Togo, às custas da vergonha de Mitra, ao invés de num combate glorioso devassando montanhas e clamando aos elementos, tivessem feito o rito de passagem.
Deveras algo que talvez não mais quisesse.
Um povo agora livre, e cujo lampejo da sabedoria, como ninguém o abalizado como lerdaço inépto, cujos termos do acordo, somente um dragão maduro teria negociado melhor, abrira caminho para um reinado que naquele instante, depois de tão secretamente ter almejado tamanha faculdade, se questionava se não estivera equivocado.
E que voltar atrás ora seria impossível. Pois na derrota, seu irmão o ensinara o valor da vitória.
Com efeito, pensando melhor, enquanto escorado nas próprias mãos e rastejando sobre o mar de sangue enregelante com cheiro forte e ácido, provavelmente o que seu coração distorcido, no fundo sempre desejara era vencer o preferido de Azo Malkev.
Nada mais, e tudo isso.
Lágrimas então brotaram, e tentou alcançar o corpo de Mitra.
Contudo, guardas o impediram desse último gesto de afeto, era chegado o momento da moeda fazer sua escolha.
_Aloyosha Malkev, Regente de Tamra, eu o declaro, oficialmente campeão da disputa pelo Cetro de Togo.Vida longa ao rei!
Declamou Lorde Lemir de Valtav, em respeito se curvando perante ao homem ferido, banhado em sangue e veneno.
_Gostaria como minha primeira ação nessa nova realidade, de ao menos poder me levantar, embora, reconheça que a sagacidade de meu irmão mais jovem me pegou de espavento.De modo, que os dragões agora têm um rei paralítico.Irônico não? Aquele que voa mas não anda.
Então ele riu, quando a escolta que antes os ameaçava com suas espadas e lanças, naquele minuto o ajudavam a se erguer.Uma cadeira de espaldar baixo, bem diferente da utilizada pelos Magistrados, o único trono que jamais viria a conhecer.
_Seu irmão fez uma promessa, em troca da anistia.
_De fato, meu segundo ato a ser cumprido. _O olhar cansado de Aloyosha brilhou frio, enquanto um vestígio de sorriso mordaz enfeitou o rosto bonito._Contudo, devo alertar que os termos combinados, beneficiaram unicamente a nós, os asilados. Mas a dada maneira como foi exigido o selo de sangue, devo ressaltar, que independente do que venham adiante descobrir, o compromisso com os dragões não pode mais ser renegado, sob a possibilidade de ser tomado como afronta, e um chamado a guerra.
Que folgo em dizer, seria um massacre o qual ora não tenho o menor desejo de suscitar.
O Magistrado cinzento de nome Hollbarth, o mesmo que inicialmente relutara a proposta de Mitra, se aproximou desconfiado, falando com sua voz telepática. _Com que insinua que fomos feitos de trouxa?
_Trouxa não, porque no pergaminho que mesmo não tendo visto o conteúdo, todavia o qual o escriba sob o voto de sigilo, redigiu, eu sei o teor de cor sem nem ao menos sequer o lido, não há inverdades.Apesar de ser um fracassado, mentir não faz parte da natureza de meu irmão._Aloyosha cruzou olhar com o cavaleiro, que por sua vez, viu que Mitra finalmente mostrava sinais de estar acordando._Pois que caiba a mim a missão de revelar o enigma da forja da estrela, à ser confirmada com o documento em posse de Lorde Kasturr de Vardian, e do conde de Lionsperth, Senhor de Heertsgard.
Celletium.Celletium é o que faz da Presa de Aço, não uma espada qualquer cujo o nome de um metal banal ela leva, muito mais do que isso, é a liga que permite aos sirianos construirem suas barcas voadoras, e não apenas cruzarem o espaço pelo túnel.Mas dominarem o universo a seu belprazer, dado que se trata da ímpar matéria que não se desfaz a velocidade do raio.
E como todos sabem, o único lugar a produzir tamanha riqueza, foi por “eles” destruído, ao reduzirem a pó minha terra natal!Nos transformando em nômades apátridas, enquanto toda Togo desmoronava, nossas minas se extinguiam, e o pórtico se fechava.
Pois se querem celletium para enriquecer vossas bolsas, eu com vontade dar-lhes-ei celletium, conquanto que voltem no tempo, e me devolvam a porra do Meu Lar, seus desgraçados! _Respirou fundo, recobrando a calma._Entretanto, como por ora isso é inexequível até mesmo para um maldito vestuto.Lamento, porém ficarão sem sua preciosa liga, cuja última relíquia, como rei de Togo, eu ordeno, seja entregue a mim imediatamente.
Ou seja, o Cetro de fato ali não era mais um cetro, mas sim uma espada curva e dentada.


Uma tênue névoa o cobria, enquanto deitado sobre a pedra, orvalho se alojava em sua crista, em sua cauda, em suas asas imensas.
Retumbante o vento cantava na serra, e o desfiladeiro infinito, era banhando por um brilho azulado sutil, que emanava das profundezas onde o fragmento da estrela havia tombado éons atrás.
Garras se esticaram, e as nuvens cinzentas estavam cortadas da vermelhidão do amanhecer por vir.
Sozinho no topo do mundo, a Presa de Aço atada ao pescoço por uma gargantilha, sereno ele repousava.
O Último de todos os Negros.
Aquele que nunca com uma consorte dourada criaria uma prole.
Mas, como?Como?Aquilo não podia estar certo.A mente atônita o alertava, enquanto forçando abrir os olhos, apenas com a visão da mente, impávido ao seu mundo ele uma derradeira vez visitava.
_É um sonho. _Conseguiu entender.
_Não, Mitra._E então aquela voz doce cujo som, quando nada era além dum embrião, ouvira tantas vezes conversar consigo, cantar cantigas numa língua consonantal, o qual a reprodução com o inábil aparelho fonador dos elysios, seria uma tarefa irrealizável; ela, sua mãe, a quem não via fazia dois milênios, a Rainha Zyammah A Dama Vermelha do Tesouro, A Guardiã da Forja da Estrela lhe falava?
Mais: agitando com a leveza de uma borboleta, magnífica em vinte e dois metros, o pescoço fino e majestoso, curvado como o de um cisne o fitava com aqueles olhos âmbar, e que o tom tranquilo, havia herdado exatamente.
_Então o quê? _O dragão menor, menor com quinze metros, se remexeu, e no afã de abraçar o espectro que o vigiava, com prazer atirar-se-ia com ambas asas quebradas, se pudesse mais um instante ser envolvido por aquelas garras a que tanto amara.
_Dragões não morrem meu filho.Eles apenas transcedem.E definitivamente, este não é o momento de a mim, ao seu pai, e aos ancestrais que capturaram a estrela, vir se juntar.
_O que me espera, minha mãe?Nem mesmo este corpo me pertence mais, sou um nada, um vencido, um condenado preste a receber a sentença; uma criatura que nunca devia ter nascido.Pois por minha culpa morreu, eu a deixei doente.
_De fato, mas faria tudo de novo, apenas para saber que Azo teve um Negro do qual se orgulhar, ainda que neste momento diga sandices, outro não poderia ter liderado o resto de nosso povo, com tanta euforia e paixão, que não você Mitra.Quando todos apáticos não mais tinham energias para lutar contra os invasores sidéreos, foi tu, quem os deu esperança, ao convencer teu pai de aceitar o acordo com Malagor.
Portanto, se há ainda dragões neste universo, foi não outro que meu Mitra, quem os salvou.
Pois, independente do invólucro ou aparência que ostentem em suas almas, eles sempre serão dragões.
_Embora pareçam ter se esquecido disso.
_Então, é seu trabalho que os faça lembrar.
_Como, como?Se já coroaram outro rei, teu outro filho.
Parecendo arrebatada por grande dor, a dragonesa suspirou, e quase tocando o focinho do príncipe negou.
_Nada é para sempre Mitra.E o sempre de Aloyosha nunca foi tão breve...
_Quer dizer, que...
_Vá, vá e não olhe para trás.Deixe que nós suas costas vigiemos, esteja onde estiver, saiba não estará sozinho.Nem no teu momento de maior desespero, quando as lágrimas secarem, e apenas sangue jorrar de teus olhos, a solidão não irá te abraçar.Tua estrela, não cairá como um pedaço de celletium, embora, algum dia, queira exausto se juntar a nós, trazendo pela mão a companheira, que há, há, há sim de encontrar bem longe daqui.
Zyammah era conhecida por suas previsões perfeitas, por mais enigmáticas que fossem a princípio, nunca haviam falhado.
E ela acrescentou:_plante teu herdeiro esta noite.E siga para onde teu coração o chama.É somente, o que tenho a te recomendar.
Súbito uma onda de energia, energia vital, branca, apaziguadora se estendeu por toda sua giganteza, e ele agora era completa nudez em forma bípede, com os cabelos a flutuarem ao seu redor, em torno daquele rosto de mártir e nariz afilado, arrogante, queixo aristocrata e nobre, além de lábios finos ligeiramente mais cheios no inferior, uma bolha quente brilhante o envolvia, e seus braços tentaram alcançar a imagem da mãe que em conjunto com uma horda de dourados, prateados, azuis, e silencioso acima de todos o Dono da Noite, O Rei Azo, como que o entregando cada um, uma ínfima particula, que ainda assim era como a torrente de mil quedas d'água a tocarem sua alma, o empurravam de volta.
De volta a Elysian.
De volta ao corpo inerte na Torre.
E quando tudo então se desmanchava, numa tentativa que sabia seria vã, perguntou: _Tornarei a vê-los?
_Não até, que toda a tua história se cumpra.Nesse dia, alegre, o teremos de volta.
_Adeus, minha mãe.
_Adeus, não existe príncipe Mitra.


Com o passar da confusão, a câmara antes abarrotada, reduzira-se aos guardas, os Cavaleiros da Irmandade, aos Magistrados, dois dragões, e nada mais.
Embora todo o foco permanecesse voltado para o rei de Togo; tão próximo, praticamente esquecido como uma sombra que a tudo vê, mas que secular vaga imperceptível, Mitra qual um fantoche quebrado se recuperava.
Todavia num ritmo mais lento que Aloyosha, em razão de suas injúrias terem sido imensamente mais sérias, contudo, ainda preservasse o coração, mesmo que o corpo estivesse em pedaços, seria capaz de restabelecer aquele avatar.
Afinal, por suas essências excederem ao plano tridimensional, e quase sempre se virem em balanceada harmonia com os demais corpos que abrangem o núcleo vivo e indestrutível, o qual chamam espírito, se as cabeças permanecessem nos pescoços e o peito guardasse o músculo negro, vida teriam.
Ossos se realocaram, feridas fecharam e pouco a pouco, uma a uma as lesões sumiam.

Mesmo assim, Aloyosha, irônicamente por ter sido alfinetado com o fragmento de prata, que ao ser introduzido em sua carne, que quase no mesmo instante se fechou tornando o metal parte dele próprio, muito provavelmente para sempre, não voltaria jamais a andar.
Mas com sinceridade O Albino naquele momento parecia totalmente alheio a sua nova condição.
Pois a Moeda de Lott acabava de ser trazida diante de si.
E Mitra, qual tivesse padecido de febre cruel, fora arrastado para próximo do círculo.
Um misto de tontura, reminiscências da incrível visão de minutos ou horas atrás, não sabia ao certo, com antecipação e vontade de que tudo chegasse logo ao fim, frente a frente ele estava outra vez com o irmão.
_Lutou bem. _Aloyosha resumiu.
_Não tanto, quanto você. _Respondeu fitando o rei sentado, e curvando-se em respeito, colocou-se de joelhos. _Que seu reinado seja fausto e próspero.
_Recuso-me a ouvir seu sarcasmo.
Dizendo isso virou o rosto, e batendo palmas um dos oficiais da Irmandade lhe estendeu um estojo de madeira laqueada, forrada de vermelho.Cujo interior, uma pequena peça com entalhes simplórios, apenas de um lado um cálice de vinho e do outro uma mísera lança, qual estúpida brincadeira de criança, era capaz de decidir o destino de uma vida.
Merriku, avisou: _cálice, e a passagem se abre, lança a mão da princesa.Alguma dúvida, vossa alteza?
_Nenhuma.
_Pois que a Fortuna abençoe o mais digno.


O ar pareceu deixar de existir, o silêncio era um réquiem intenso, cadente como milhões de passos a fortemente baterem no chão, e espadas contra escudos, o ritmo de cada vibração, cada bombar de sangue que de lento ia aumentando, aumentando até ficar pronto a explodir.
Ninguém ousava soltar o fôlego, ninguém ousava pensar.
Desviar os olhos um desiderato.
E apenas frio, resoluto, Aloyosha, e não Merriku, mantinha-se plácido enquanto observou por um instante que pareceu infinito a pequena peça portadora da casualidade entre os dedos.
Então abrupto sem aviso, o olhar cativando o do Negro por um fragmento de segundo, enquanto rodopiando no ar, girando alto igual uma feiticeira a dançar um solo macabro, a Moeda de Lott foi arremessada em direção ao palco do destino, passando matreira a rapidamente descender, serpenteando e dando a entender que ria-se a valer da aposta que iria transformar irmãos em algozes.
Rivais.
Lá fora gritos festejavam a coroção do Albino e vivas efusivos faziam-se ouvir entre aplausos.
Assim meio a balburdia, a expectativa, ela caiu, precisamente sobre a palma do novo rei.
Qual imantada tivesse sido tragada até ali?
_Diga logo!_A voz de Mitra soou arfante, não por medo.Mas porque toda aquela tensão o estava enlouquecendo.
_Cálice.
_Para quem? _Implorou? _Para quem?_De olhos injetados como um celerado, rouco ele insistiu.
Com a sobrancelha levantada, e já que não podia se erguer, Aloyosha disse apenas:_Lorde Lemir de Valtav, o mais fiel dos Cavaleiros da Ordem do Monte, recuso-me ao exílio, ao invés disso, por gentileza conceda-me a morte!
_Não!!!_E grito de dor do príncipe em algum lugar certamente provocou terremotos.
Vulcões choraram labaredas.
Pois com uma força que ele não sabia de onde havia tirado, Mitra se lançou sobre os guardas, seu salto o projetando em direção a Hollbarth que ao lado do executor, preparava a espada para o golpe, aproveitando que a foice, uma das armas não eleitas estava lá, um a um, como peças de dominó, os soldados, foram tombando numa chuva de sangue, até que o arco da morte, atravessou o ombro do sidéreo, seu sangue estranho, mais parecido a uma gosma negra espirrando no rosto, na boca, de Aloyosha.
Que súbito para o desespero do mais jovem dos Malkev viu: o Albino simplesmente ficou rijo.
Suas íris viperinas de dragão, tornaram-se opacas, e depois dali, daqueles orifícios escorreram lágrimas de sangue, enquanto a palidez acentuava, o ar lhe faltava, estático, imóvel, incapaz de se defender pela paralisia, ele emitiu um urro gutural, quando da boca de lábios ora quase sem cor, presas se projetaram alongadas, afiadas como fios de espada?
Veias azuladas afloraram no peito, nos braços, e ele que era belo, se tornou uma misteriosa estátua?
Não!Não uma estátua...
O quê então?
_Que os deuses me perdoem!_Kasturr suplicou, percebendo a ameaça da sinistra criatura que diante deles ganhava forma.Correu em direção a alavanca que destravava a roda.
O que está acontecendo comigo?
Sua mente desesperada pensou, pois não estava morrendo, entretanto, sentia o espírito desprendia, e com toda a violência, qual mil carros de seis cavalos o puxassem ao mesmo tempo, uma escuridão fria, o invocava, o abraçava, o consumia, todavia visse o corpo continuasse se movendo.
Eram dois mas tinham a mesma consciência.
A unicidade total de um dragão se perdia, e outra coisa o dominava.
Isso sem falar com a sensação de que todos os órgãos internos se esfacelavam, o estômago virava uma pedra, muito embora, como tivesse caído vítima duma praga macabra, enigmaticamente o causava ato contínuo, um esvaziamento que parecia fome, e no entanto, não era isso.
Enquanto aqueles que tinham sangue quente e vermelho, a seus olhos desapareciam as feições, tornando-se nada além de um emaranhado de artérias, e pulsação, que o fizeram salivar sedento, desejando os degustar até a última gota.
Bruxaria, bruxaria maligna só podia ser!
Mitra, por favor me salve!
Irmão!!!
Mas ele não pôde atender ao socorro, pois o ferido Hollbarth, com um punhal de prata, saindo detrás de uma coluna e surpreendendo ao príncipe, o estocou na perna direita.
E ele tombou, como que sua queda houvesse custado todo o tempo do universo num instante.
O mesmo instante que a máquina foi ativada, e a sua magia foi feita, um olhar de adeus o rei dirigiu ao sol que entrava pelas frestas da abóbada de pedra e vidro, assim Aloyosha não viu, que Mitra desesperado tentara alcançar sua mão, na afã de resgatá-lo do abismo, cujo vácuo nebuloso, parecia devorar por trás de uma barreira de energia, astros e estrelas, ou, junto partir com ele para a jornada sem volta.
Na palma fechada que se perdeu para além do portal, a moeda virada para cima trazia o cálice.

Não a lança.
Aloyosha havia mentido.
Seu último ato como rei?Proteger o irmão.